Austral Comunicación

Volumen 10, número 1- Junio de 2021

ISSN (I) 2313-9129. ISSN (E) 2313-9137

 

Restrições da publicidade infantil na América do Sul: análise comparativa a partir dos códigos de autorregulamentação

 

Dhione Oliveira

Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Sergipe.

odhione@gmail.com

ORCID https://orcid.org/0000-0002-0165-2153

Raquel Carriço

Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Sergipe.

raquelcarrico@gmail.com

ORCID https://orcid.org/0000-0002-7307-5527

Jackson de Souza

Instituto Federal do Pará – IFPA

jackson_de_souza@yahoo.com.br

ORCID http://orcid.org/0000-0003-2731-8062

Fecha de finalización: 30 de junio de 2020.

Recibido: 15 de julio de 2020.

Aceptado: 6 de abril de 2021.

DOI: https://doi.org/10.26422/aucom.2021.1001.oli

Resumo

A publicidade é tida pelos seus críticos como uma das principais vilãs da sociedade contemporânea. A maior parte dos males decorrentes do consumo desenfreado é atribuída a publicidade, pois é considerada a grande “promotora” e impulsionadora do consumo capitalista. As crianças são apontadas como um público frágil aos apelos publicitários por não possuírem um senso crítico formado e serem facilmente persuadidas.

Seus defensores, por sua vez, argumentam que a publicidade é uma realidade de uma sociedade da qual ela faz parte, e proibir a publicidade infantil seria tirar a autoridade dos pais sobre a decisão do que é melhor para seus filhos. A presente pesquisa, nesse sentido, teve como objetivo avaliar, por meio da análise de conteúdo (Bardin, 2011), a autorregulamentação publicitária voltada ao público infantil nos países da América do Sul que possuem um código de autorregulamentação publicitária (Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Peru e Uruguai). Percebe-se que, de acordo com o contexto sul-americano e os Códigos Deontológicos analisados, o Brasil encontra-se em um estágio mais avançado na normatização da publicidade infantil sobre os demais. A Argentina, Chile e Colômbia encontram-se em um nível intermediário, Peru em um nível pré-intermediário e o Uruguai em um nível básico.

Palavras chave: Autorregulamentação, América do Sul, público infantil, saúde pública.

Restricciones a la publicidad infantil en Sudamérica: análisis comparativo basado en códigos de autorregulación

Resumen

Los críticos de la publicidad la consideran como uno de los principales villanos de la sociedad contemporánea.  A esta “villana”, calificada como una gran “promotora” e impulsora del consumo capitalista, se le atribuye la mayoría de los males derivados del consumo desenfrenado. Se señala a los niños como una audiencia vulnerable al llamado publicitario por carecer de un sentido crítico y ser fácilmente persuadidos. 

Sus defensores, a su lado, argumentan que la publicidad infantil es una realidad de una sociedad de la que forma parte y prohibirla sería eliminar la autoridad de los padres sobre lo que es mejor para sus hijos. En este sentido, el objetivo de esta investigación fue evaluar, a través del análisis de contenido (Bardin, 2011), la autorregulación publicitaria dirigida a niños de países sudamericanos que tienen un código de autorregulación publicitaria (Argentina, Brasil, Chile, Colombia, Perú y Uruguay). Observamos que, según el contexto sudamericano y los códigos deontológicos analizados, Brasil se encuentra en una etapa más avanzada en la estandarización de la publicidad infantil sobre los demás. Argentina, Chile y Colombia están en un nivel intermedio, Perú en un nivel preintermedio y Uruguay en un nivel básico.

Palabras clave: autorregulación, América del Sur, audiencia infantil, salud pública.

 

Restrictions on children’s advertising in South America: a comparative analysis based on self-regulation codes

Abstract

The advertising industry is often characterized as one of modern society’s great villains. According to this view, it promotes and drives capitalist aims and is guilty of enabling unbridled consumerism along with its associated ills. Children are particularly vulnerable to advertising messages, as they lack critical judgement and can be easily persuaded. As a counterargument to this perspective, children’s advertising can be described as being, simply, a social reality. To ban it outright would be to deny parents the right to choose what is best for their children. In light of this debate, our investigation seeks to evaluate — through a content analysis (Bardin, 2011) — how children’s advertising is self-regulated in South American countries that have an advertising self-regulation code (Argentina, Brasil, Chile, Colombia, Peru, and Uruguay). We observed that, in the context of South America and the deontological codes under analysis, Brazil is ahead of the pack when it comes to standardizing advertising for children. Argentina, Chile, and Colombia are at an intermediate level, with Peru close behind and Uruguay at the tail end.

Keywords: self regulation, South America, child audience, public health.

 

Introdução

A publicidade e a propaganda1 definem padrões de consumo e influenciam o comportamento das pessoas. As mensagens publicitárias, com fins comerciais ou não, são pensadas e direcionadas a um público específico que, no jargão do marketing, é denominado target, ou público-alvo. O objetivo das mensagens publicitárias é o de persuadir os indivíduos e levá-los a compra ou aceitação de uma ideia, bem ou serviço, afetando seu comportamento.

A compra faz parte, na área dos estudos do comportamento do consumidor, de um processo denominado de “Reconhecimento de Necessidades”, que consiste em: reconhecimento de um problema, busca de informações, avaliação das alternativas pré-compra, compra, consumo, avaliação pós-consumo e descarte. De acordo com Schiffman e Kanuk (1993, p. 6), “o comportamento do consumidor é o processo pelo qual os indivíduos tomam decisões para gastar os seus recursos disponíveis (dinheiro, tempo e esforço) em artigos de consumo”.

As mensagens publicitárias podem ser direcionadas ao “decisor” (aquele que decide a compra) ou qualquer um dos outros sujeitos presentes na tomada de decisão no processo de compra. São eles: iniciador (aquele que dá a ideia da compra); influenciador (aquele que influencia direta ou indiretamente a compra); comprador (aquele que realmente compra ou adquire um produto ou serviço); e o usuário (aquele que utiliza ou usufrui o produto ou serviço) (Blackwell et al., 2005).

No “Processo de Decisão do Consumidor” as crianças têm um importante papel de influenciadoras nas decisões de consumo de todos os membros da unidade familiar. Elas são apontadas como os principais influenciadores nas decisões familiares, tornando-as, assim, alvos favoritos - dentro dos limites legais - da indústria publicitária (Karsaklian, 2000).

O papel das crianças no processo de compra não se restringe apenas ao de influenciador, podendo representar qualquer um dos sujeitos no processo de decisão de compra, inclusive o de comprador, movimentando bilhões de dólares, e sendo um importante mercado consumidor (Martins, 2017).

Todo esse esforço que a publicidade tem pelo público infantil é cessado, por vezes, por legislações e/ou códigos deontológicos autorregulamentadores privados que visam “proteger” esse público de “abusos” provenientes do mercado. A publicidade entendida como o principal impulsionador do mercado de consumo, é tida como “vilã” e causadora dos “males” que o consumo exagerado pode acarretar às crianças.

Frisa-se que as restrições à publicidade infantil podem vir de legislações estatais, ou de códigos de ética compartilhados pelos profissionais de propaganda, que visam autorregulamentar a atividade publicitária. Portanto, a regulamentação infantil não é compartilhada de forma homogênea por todos os países, visto que cada nação é livre para criar leis e normas sobre a problemática exposta. Alguns países apresentam normas mais rígidas do que outros, e até em alguns deles, as restrições podem ser até inexistentes.

Desse modo, a presente pesquisa tem como objetivo central avaliar, comparativamente, a autorregulamentação publicitária infantil dos países da América do Sul. Por apresentar-se como um bloco de países semelhantes, em suas características econômicas, sociais, culturais e geográficas, por meio desta análise visa-se identificar as principais semelhanças e diferenças entre os códigos, e perceber as possibilidades de mudanças diante das realidades observadas.

 

Publicidade infantil versus regulamentação

Estudos indicam que o tempo gasto pelas crianças assistindo televisão é alto quando comparado a outras atividades, como brincar e estudar, às que dedicam cerca de três horas diárias para a prática desta atividade (Pimenta et al., 2011).

Tal fato corrobora com o contínuo aumento da publicidade infantil, que vem ocorrendo desde as primeiras décadas do século XX, especialmente após o fim da Segunda Guerra Mundial, quando fábricas de brinquedos se instalaram em diversos países (ex.: Fábrica Estrela, no Brasil) e as crianças passaram a serem vistas como um público consumidor (Veloso et al., 2012).

Nesse contexto, devido à falta de regulação envolvendo tanto a publicidade infantil quanto a publicidade de modo geral, nas primeiras décadas dos anos 1900, diversos anúncios foram criados e veiculados pautando-se apenas na criatividade dos publicitários da época, desconsiderando cuidados psicológicos e nutricionais que poderiam ser essenciais a alguns públicos, em especial ao infantil, por em sua maior parte não possuir discernimento necessário para compreender que nem sempre o que está contido no anúncio corresponde ao real (Silva, 2010). Além disso, como afirmam Iglesias et al. (2013):

No caso do público infantil, a mídia lança mão de estratégias voltadas não somente para as próprias crianças, como também para seus pais, responsáveis e cuidadores, isto é, em última instância, os que definem a escolha e aquisição dos produtos e serviços anunciados. (p. 134)

Sampaio (2006) aponta que tal segmento tornou-se atrativo nas emissoras de televisão de todo o mundo a partir do sucesso dos programas infantis - mais precisamente a partir da década de 1960 - causando, dessa forma, uma explosão na oferta comunicacional para as crianças. Desde esta década, os programas passaram a ser financiados pela publicidade, oferecendo produtos que iam desde a alimentação ao vestuário, e fazendo a criança ser exposta por apelos publicitários que beneficiavam à indústria do consumo (Sampaio, 2004).

Assim, observa-se a influência da publicidade infantil para a indução de problemas, como: conflitos entre pais e filhos, cinismo, atitudes materialistas e obesidade (Calvert, 2008). Problemas como estes ocorrem porque as crianças possuem um alto poder na decisão de compra de seus pais, sendo, desse modo, também consideradas influenciadoras da compra (ver Silva, 2010).

Dados revelam que as crianças possuem dentro de seu núcleo familiar 70% das decisões de compra, e representam para as empresas fidelização de consumo para o futuro, tornando-as dependentes do produto. Houve a constatação de grande influência das crianças na compra de diversos produtos, especialmente alimentos (92%), brinquedos (86%) e roupas (57%). No ano de 2000 71% dos pais afirmavam sofrer a influência dos filhos na hora das compras. No ano de 2003, o índice subiu para 80% nesta pesquisa, com 38% influenciando fortemente na decisão. Na escolha da marca, 63% deles influenciam nas compras, sendo que metade das crianças com idade entre 07 e 13 anos influencia de maneira exagerada. (Cazzaroli, 2011, s.p.)

Atualmente, as crianças convivem em um ambiente mais controlado, sob a supervisão dos pais e, dessa forma, alguns especialistas acreditam que a publicidade pode se dirigir às crianças sem qualquer tipo de prejuízo ao seu desenvolvimento e qualidade de vida. Por outro lado, outros especialistas do assunto persistem na visão de uma publicidade abusiva que se utiliza das fraquezas de discernimento da população infantil que a induz a um consumismo prejudicial.

Além disso, pelas transformações ocorridas especialmente pela tecnologia da informação e comunicação, a publicidade, atualmente, é apenas uma das diversas ferramentas que podem influenciar o consumo deste e dos outros públicos, visto que as marcas, cada vez mais buscam formas inovadoras de comunicação, a fim de atingir públicos com diferentes características (Souza e Mendes Filho, 2019).

Silva (2010) aponta que mesmo com o decréscimo da audiência em programas infantis na televisão aberta, nos últimos anos, devido às restrições impostas por órgãos reguladores, as séries em canais pagos vêm conquistando, cada vez mais, o interesse das crianças.

A possibilidade de restringir a propaganda a este público é posta por algumas sociedades segundo os malefícios que a publicidade pode ocasionar. As crianças são tidas como pessoas sem a capacidade de diferenciar ficção e realidade, uma vez que elas não têm senso crítico formado, ficam, dessa forma, suscetíveis aos apelos do consumo e a inúmeros problemas que afetam a saúde física e mental, tais como: obesidade, anorexia, alcoolismo, bulimia, delinquência, isto é, problemas que se conectam diretamente à saúde pública (Programa Criança e Consumo, 2009).

As necessidades apontadas pelos opositores da propaganda infantil, de criar normas menos brandas, ou até banir este tipo de propaganda, são muitas vezes cessadas pelo forte poder político que as indústrias têm em algumas sociedades e governos. O argumento mais forte dos defensores da publicidade é de que os pais cumprem o papel educativo e seriam eles os reguladores do comportamento das crianças. Outro argumento é que banir a publicidade infantil seria privar este público de uma realidade que faz parte da nossa sociedade.

Tais informações evidenciam, cada vez mais, a necessidade da existência de conselhos reguladores, estes capazes de compreender os anseios da sociedade dos quais fazem parte, e trabalharem uma comunicação publicitária cada vez mais ética. Além disso, ao atingir uma área tão importante, como a saúde pública, maior atenção deve ser dada, para fazer com que tais conselhos atuem com um pontapé para o desenvolvimento de políticas públicas de uma localidade.

A autorregulamentação publicitária na América do Sul

Para o profissional da publicidade cabe a conduta ética e responsável, a fim de se evitar abusos contra o consumidor, preocupando-se em satisfazer seu anunciante e a sociedade, sem lhes causar prejuízo.

O indivíduo, como possuidor de direitos, não pode ser lesado nas relações de consumo, principalmente naquilo que está associado às informações dos bens, serviços, ou às mensagens publicitárias, tidas como abusivas ou enganosas. Para tanto, é necessário um sistema de controle da publicidade, para atender aos direitos do consumidor (Ferreira et al., 2017).

A autorregulamentação foi decorrência da necessidade de manter a confiança dos consumidores nas mensagens veiculadas. Os profissionais da publicidade se aperceberam de que, no momento em que a publicidade deixasse de convencer os consumidores, não mais cumpriria sua função primordial. Um dos objetivos da autorregulamentação, portanto, é melhorar a imagem social da publicidade. (Chaise, 2001, p. 25)

Os conselhos de autorregulamentação publicitária, a partir de seus códigos, atuam supervisionando toda e qualquer comunicação, por meio de profissionais voluntários e das sociedades civis, tanto no âmbito privado quanto governamental, para garantir e assegurar a normatização publicitária. Ainda conta com o apoio de entidades da defesa do consumidor, sendo considerado, então, um sistema descentralizado, por não haver apenas um órgão que faça a regulamentação, mas sim o estado e outros agentes da sociedade civil e indústria publicitária.

A autorregulamentação publicitária não se opõe à regulamentação do estado, proposta pelos governos. Ela a absorve e, em muitos casos, a aprimora, por meio de especificações. Primordialmente, a autorregulamentação publicitária deve estar em consonância com as legislações existentes nas nações as quais fazem parte. É importante destacar que a autorregulamentação não existe em todos os países, e que nos países que possuem um conselho de autorregulamentação, ele se faz livre para tratar do tema da melhor maneira possível e atender aos seus valores éticos e morais.

Na América do Sul, a autorregulamentação, objeto deste estudo, existe em seis países: Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Peru e Uruguai. Cada código tem suas características específicas e tratam de diversas formas os mais variados problemas que envolvem a publicidade infantil.

Na Argentina, o Consejo de Autorregulación Publicitaria – CONARP, fundado em 2001, corresponde a uma sociedade civil, sem fins lucrativos e sem responder a nenhum interesse setorial. As denúncias podem ser feitas por pessoa física ou jurídica e devem ser enviadas via correio eletrônico, juntamente com os seguintes dados: nome ou razão social, marca envolvida no pedido de análise, detalhe das peças objetos da denúncia, motivo da solicitação, e apontamento dos artigos relacionados ao código de ética e autorregulamentação (Consejo de Autorregulación Publicitaria, 2021).

No Brasil, de forma semelhante à Argentina, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária - CONAR funciona a partir de denúncias que podem ser feitas por qualquer cidadão, defendidas pelo responsável da comunicação anunciada, e julgadas pelo conselho de ética. O resultado de tal ação pode culminar na sustação, recomendação de alterações ou arquivamento da mensagem publicitária (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária, 2021). Apesar de não possuir força de lei, o CONAR possui respeito e respaldo perante o mercado publicitário, e o que é decidido pelo órgão, normalmente é respeitado tanto pelas agências, quanto pelos veículos e anunciantes (Yanaze, 2006).

No Chile, o Consejo de Autorregulación y Ética Publicitaria – CONAR também atua de forma semelhante aos dois órgãos já citados, destacando-se que ele possui as funções “corretiva” e “preventiva e orientadora”. Na primeira, os procedimentos são correlatos aos do CONAR-BRASIL e CONARP-ARGENTINA, enquanto que na segunda, o CONAR-CHILE se coloca para orientar os anunciantes, bem como a jurisprudência antes de os anúncios publicitários serem divulgados, oferecendo, inclusive, cursos e oficinas online para isso (Consejo de Autorregulación y Ética Publicitaria, 2020).

Na Colômbia, o órgão que realiza o trabalho de monitoramento da publicidade veiculada nos meios de comunicação do país é a Asociación Nacional de Anunciantes – ANDA. Fundada em 1979, a organização representa os interesses dos anunciantes foi designada para a referida função em 2018 e ficou no lugar da Comisión Nacional de Autorregulación Publicitaria – CONARP-COLÔMBIA. Dessa forma, a ANDA, assim como as organizações dos demais países citados, atua no processo de autorregulamentação da publicidade na Colômbia e, desde 2018, lançam guias para que os anunciantes de todo o país trabalhem com uma publicidade responsável2 (Asociación Nacional de Anunciantes de Colombia, 2021).

Por conseguinte, no Peru, o Consejo Nacional de Autorregulación Publicitaria – CONAR é uma pessoa jurídica de direito privado constituída sob a forma de Associação Civil, de acordo com as normas do Código Civil Peruano. Trata-se de um órgão autônomo, de iniciativa privada, composto pela Asociación Nacional de Anunciantes (ANDA), pela Sociedad Nacional de Radio y Televisión (SNRTV), pela Asociación Peruana de de Publicidad (APAP) e outras principais associações empresariais e midiáticas de comunicação. Atua de forma semelhante aos demais conselhos citados, isto é, promovendo sanções morais aos anunciantes que executarem uma publicidade em desacordo com o código estabelecido no país, podendo ser: modificações, retiradas, avisos corretivos nos anúncios ou qualquer outra medida que tenha por finalidade corrigir os efeitos da infração (Consejo Nacional de Autorregulación y Ética Publicitaria, 2021).

Por fim, no Uruguai, o Consejo Nacional de Autorregulación Publicitaria – CONARP é uma entidade, sem fins lucrativos, cujo objetivo é velar pela livre e responsável comunicação comercial. O Conselho também instituiu o código de autorregulamentação publicitária do país e o sistema de denúncias e sanções se assemelha aos demais, diferenciando-se no que se refere à existência de fianças. Dessa forma, o conselho pode determinar quantias em dinheiro que os anunciantes/governos/meios de comunicação deverão pagar em casos de propagandas veiculadas em desacordo com o código. Cabe frisar que todos os anunciantes têm direito de defesa e, caso seja constatado que o anunciante não infringiu o código de autorregulamentação, o montante será devolvido (Consejo Nacional de Autorregulación Publicitaria, 2021).

Procedimentos metodológicos

Trata-se de uma pesquisa de natureza exploratória e descritiva, visto que se propõe a analisar conteúdos presentes nos códigos de autorregulamentação publicitária de países da América do Sul para, assim, compreender as semelhanças e especificidades de cada país.

A pesquisa exploratória ocorre com o propósito de aprimorar ideias (Gil, 2002). Além disso, seu intuito é aumentar o grau de familiaridade com eventos relativamente desconhecidos, agindo como um possível suporte para pesquisas posteriores (Révillion, 2003). A pesquisa descritiva é aquela que visa apenas observar, registrar e descrever as características de um determinado fenômeno ocorrido em uma amostra ou população (Fontelles et al., 2009).

Desse modo, por meio de uma abordagem qualitativa, a pesquisa se deu pela análise de documentos, mais precisamente dos códigos de ética retirados dos portais dos conselhos nacionais de autorregulamentação publicitária dos países da América do Sul, mais especificamente dos países que possuem tais conselhos: Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Peru e Uruguai.

Nesse sentido, a exploração dos dados ocorreu através de uma análise de conteúdo, esta que permite tratar dados quali e quantitativamente, por ser um conjunto de técnicas das comunicações que se utiliza de procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, para compreender o fenômeno estudado (Bardin, 2011).

Desse modo, a partir dos procedimentos metodológicos sugeridos por Bardin (2011), na pré-análise realizou-se a busca dos conselhos e códigos de autorregulamentação publicitária dos países da América do Sul. Os materiais surgidos da pesquisa encontram-se nos portais oficiais dos conselhos dos seis países já citados. Na fase de exploração do material foram analisados os conteúdos que diziam respeito às restrições da publicidade para o público infantil, em todos os códigos. E, por fim, na terceira e última fase da análise de conteúdo, “tratamento dos resultados obtidos e interpretação”, buscou-se analisar, comparativamente, os códigos, para, assim, compreender suas características, semelhanças e diferenças.

Além disso, considerando os apontamentos de Gil (2002), de que neste tipo de estudo o autor possui maior autonomia para melhor analisar e interpretar os dados, foram criadas as seguintes categorias de análise: (1) universo da amostra, (2) produtos alvos da autorregulamentação, e (3) restrições, tendo como fontes, especialmente, os portais dos conselhos de autorregulamentação dos países estudados.

Apresentação dos resultados3

Universo da amostra

Foram analisados os códigos de autorregulamentação publicitária de seis países da América do Sul, a saber: Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Peru e Uruguai. Frisa-se que todos os códigos abordam a questão da publicidade infantil de maneira específica, além de citá-la em outros momentos. Dessa forma, a análise não se ateve apenas aos tópicos específicos sobre publicidade infantil em cada código, como também aos trechos de outros tópicos que, de alguma forma, faziam referência à publicidade infantil.

Por exemplo, na Argentina, o código trata da normatização da publicidade infantil, em um primeiro momento, no parágrafo 2º, do artigo 32º, “Categorias Especiais”, em que as bebidas alcoólicas devem ter seu consumo orientado para o público adulto e deve ser evitada a presença de anúncios deste tipo de produto em revistas juvenis, programas e horários destinados às crianças e jovens na televisão, rádio, cinema, e-mail, internet, telefonia celular e outros meios alternativos. Também fica proibida a presença de menores ou pessoas que representem crianças e adolescentes em anúncios desse tipo de produto, salvo aqueles que não representem danos para a saúde e formação moral (Consejo de Autorregulación Publicitaria, 2021).

No Brasil, o código de autorregulamentação publicitária trata da regulamentação da publicidade infantil, em um primeiro momento, na seção 8, “Segurança e Acidentes”, artigo 33º, parágrafos “A” e “E”, em que se condena o descaso de anúncios publicitários pela segurança quando as mensagens forem direcionadas ou contiverem crianças e/ou adolescentes. O artigo condena, também, a falta de informações, quando necessário, de cuidados especiais com produtos direcionados a esse público e outros vulneráveis, tais como idosos e doentes (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária, 2021).

No Chile, os artigos 24º e 25º, “Segurança e Saúde” e “Publicidade de Medicamentos”, respectivamente, e o artigo 30º, “Publicidade de Bebidas Alcoólicas”, possuem algumas normas específicas para os menores de idade e, consequentemente, ao público infantil (Consejo de Autorregulación y Ética Publicitaria, 2020).

Na Colômbia, a primeira referência ao público infantil ocorre no artigo 25º, “Segurança e Prevenções de Acidentes”, em que produtos que podem ocasionar riscos devem ser informados para a proibição para crianças e adolescentes. Caso seja necessário o uso, por esse público, deve-se informar que sua utilização exige a supervisão de um adulto (Comisión Nacional de Autorregulación Publicitaria, 2013).

No Peru, a primeira referência à publicidade infantil ocorre no título I – “Disposições Gerais”, em que se alerta que deve-se tomar cuidado quando a publicidade for dirigida a públicos específicos, dentre eles os menores de idade (Consejo Nacional de Autorregulación y Ética Publicitaria, 2021).

No Uruguai, a questão infantil é tratada no artigo 15º, “Categorias Especiais de Produtos”, parágrafo 1º, “Bebidas Alcoólicas”, letra “b”, em que se determina que a publicidade deste tipo de produto seja direcionada a adultos, e não deve apresentar situações com menores. A veiculação da publicidade de bebidas alcoólicas fica restrita a espaços em que a audiência seja pelo menos 70% de adultos, isso inclui programas, jornais, revistas, eventos esportivos, culturais e sociais. Além disso, os modelos usados nas campanhas devem ser maiores de vinte e cinco anos e aparentarem maioridade (Consejo Nacional de Autorregulación Publicitaria, 2021).

Dentre os códigos analisados, apenas os conselhos de três países, em um primeiro momento, expõem a definição do que se considera como crianças, são eles: Brasil, Chile e Peru. O CONAR-BRASIL considera o que seja público infantil, informação essa que é apresentada em uma nota do código:

Nota: Nesta Seção adotar-se-ão os parâmetros definidos nos arts. 2º e 6º (final) do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90): “Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade” e na sua interpretação, levar-se-á em conta a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento. (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária, 2021, s.p.)

No Chile, a primeira citação que o código de ética faz sobre as crianças é uma definição do que sejam menores, crianças e adolescentes. Dessa forma, de acordo com o Consejo de Autorregulación y Ética Publicitaria (2020, s.p., tradução nossa) “são considerados menores de idade todos os menores de dezoito anos. São consideradas crianças todos os menores de doze anos; jovens e adolescentes, os menores de idade entre doze e dezoito anos”.

No que se refere ao código peruano, especificamente sobre a questão infantil, o título IV – “Publicidade e os Menores de Idade” define, em um primeiro momento, o que são menores, adolescentes e crianças: são considerados menores todos abaixo dos dezoito anos, adolescentes maiores de treze anos e menores de dezoito e crianças menores de quatorze anos (Consejo Nacional de Autorregulación y Ética Publicitaria, 2021).

Dessa forma, percebe-se que os três países citados possuem semelhanças em suas considerações sobre a faixa-etária do público infanto-juvenil. E ainda que os códigos dos demais países não citem o referido conceito, pelas semelhanças sociais, culturais e geográficas, bem como pelo que é exposto nos códigos a respeito da regulamentação para este público, vê-se que as características são similares.

Produtos alvos da autorregulamentação

No que se refere aos produtos divulgados pela publicidade, são mencionados, nos códigos, alguns especificamente, apontando total restrição, ou uma publicização de hábitos saudáveis, como pode ser observado no quadro 1.

Quadro 1. Produtos alvos da autorregulamentação

País

Produtos

Argentina

Bebidas alcoólicas; armas de fogo; elementos cortantes; medicamentos; substâncias tóxicas, causticas e inflamáveis; artefatos elétricos; gás; jogos; direção de veículos.

Brasil

Bebidas alcoólicas; produtos de fumo; armas de fogo; alimentos.

Chile

Bebidas alcoólicas; produtos de fumo; medicamentos.

Colômbia

Bebidas alcoólicas; produtos de fumo; medicamentos; alimentos; jogos de apostas.

Peru

Bebidas alcoólicas; armas de fogo, medicamentos, substâncias tóxicas; direção de veículos.

Uruguai

Bebidas alcoólicas; alimentos.

 

Fonte: Dados da pesquisa.

Como pode ser visualizado no quadro 1, as bebidas alcóolicas constituem o tipo de produto em que a publicidade é mais restringida ao público infantil, visto que é uma categoria presente nos códigos dos seis países analisados.

No caso do código de ética argentino, mais especificamente no artigo 33º, é explicitada a restrição de apresentação visual de práticas perigosas, objetos e instrumentos que causam perigo (armas, elementos cortantes, medicamentos, substâncias tóxicas, causticas e inflamáveis, artefatos elétricos e gás). As mensagens publicitárias também devem evitar mostrar crianças e adolescentes conduzindo veículos automotivos e atos ilegais (Consejo de Autorregulación Publicitaria, 2021).

Além disso, algo único em relação aos demais códigos, corresponde ao descrito no artigo 38º, em que define que a publicidade de jogos, caso resolva mostrar o preço de um produto, deve explicar o motivo; o tamanho do jogo deve, de alguma maneira, ser indicado; os resultados manuais devem ser compatíveis com a idade do público que se destina; e se for necessária a aquisição de outro produto para alcançar determinado objetivo anunciado, deve ser informado (Consejo de Autorregulación Publicitaria, 2021).

Ademais, no artigo 39º, dos novos meios, parágrafo 3º, da segmentação das audiências, determina-se que os anúncios dirigidos para menores devem ser identificados como tal no assunto das mensagens; e o parágrafo 4º, do mesmo artigo, aborda o marketing viral, determinando que esse tipo de ação deve ser enquadrado em parâmetros da publicidade responsável. No caso de não ser possível a segmentação da mensagem, deve-se tomar cuidado com os menores para evitar efeitos e consequências desagradáveis (Consejo de Autorregulación Publicitaria, 2021).

No Brasil, o código determina, no anexo “A”, das “Bebidas Alcoólicas”, “P”, das “Cervejas e Vinhos”, e “T”, de “Ice e Bebidas Assemelhadas”, parágrafo 2, que nenhum anúncio terá crianças como público-alvo, sendo destinado exclusivamente ao público adulto. Enfatiza-se que é um produto proibido para menores e restringe-se o uso de qualquer tipo de linguagem e recurso que lembre o universo infantil. Além disso, todas as personagens que aparecem neste tipo de propaganda devem aparentar ter mais de vinte e cinco anos (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária, 2021).

Sobre a veiculação, o planejamento de mídia deve levar em conta que a publicidade de bebidas alcoólicas não deve ser direcionada às crianças e deve ser inserida apenas em programas, publicações ou websites direcionados exclusivamente a adultos; os portais das marcas de bebidas alcoólicas devem ter um sistema de controle que possua a advertência de acesso apenas por adultos (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária, 2021).

Os anexos “A”, “P” e “T” ainda impõem cláusulas de advertências inseridas nas campanhas e nas embalagens desse tipo de produto para informar que se trata de um produto destinado a adultos, e para a realização de campanhas publicitárias, enfatiza-se que a venda de bebidas alcoólicas, cervejas e vinhos é proibida para menores de idade. Os anexos “J”, de “Produtos de fumo”, e “S”, de “Armas de Fogo”, também tratam da questão infantil, e encontram-se superados pela legislação federal existente (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária, 2021).

No código chileno, a questão infantil é tratada de maneira específica nos artigos 21º - Publicidade Dirigida aos Menores de Idade, 22º - Participação de Menores de idade na Publicidade, 23º - Publicidade Exclusiva Para Adultos, e no artigo 29º - Publicidade de Alimentos e Bebidas Direcionada ao Público Infantil (Consejo de Autorregulación y Ética Publicitaria, 2020).

O artigo 22º, sobre a participação de menores na publicidade, determina que os anúncios devem evitar a presença de menores em situações inapropriadas à idade. Os menores não devem aparecer em situações perigosas, e a única exceção é quando a situação tiver fins educativos. Também não se devem apresentar imagens de menores em situações que as características físicas ou psicológicas de uma criança em um anúncio possam afetar a dignidade ou possa ser prejudicial (Consejo de Autorregulación y Ética Publicitaria, 2020).

O artigo 23º, sobre a publicidade exclusiva para adultos, define que esse tipo de publicidade deve ser visto apenas por adultos, e não pode ser exibido em nenhum lugar, meio, suporte e horário que, de forma voluntária ou involuntária, os menores tenham acesso livre a ela (Consejo de Autorregulación y Ética Publicitaria, 2020).

Além disso, o artigo 24º alerta para se ter um cuidado especial ao se dirigir aos jovens e crianças; no artigo 25º, a propaganda de medicamentos não deve se dirigir a crianças ou induzir o uso sem prescrição dos pais e, por fim, o artigo 30º aborda que as marcas de bebidas alcoólicas não devem utilizar menores de idade, ou nenhum outro artifício que lembre a eles, como imagens ou voz, devendo, apenas, maiores de idade estarem nesse tipo de propaganda (Consejo de Autorregulación y Ética Publicitaria, 2020).

No código colombiano, o artigo 31º, “Publicidade de Medicamentos e Produtos para Saúde”, trata da questão infantil, proibindo que este tipo de propaganda seja dirigido para crianças e menores. O artigo 32º, “Bebidas Alcoólicas, Tabacos e Cigarros”, proíbe a utilização de crianças e adolescentes nesse tipo de anúncio, além de não poder apresentar situações que lembrem o universo infantil, e as pessoas que neles aparecem devem ser e parecerem maiores de idade (Comisión Nacional de Autorregulación Publicitaria, 2013).

Os artigos 25º, do capítulo “Disposições Especiais que Regem a Mensagem Publicitária”, e 31º e 32º, do capítulo “Publicidade de Categorias Especiais de Produtos”, tratam da questão infantil, de maneira geral. De forma mais específica tem-se o capítulo 7º – “As Mensagens Comerciais para Meninos, Meninas e Adolescentes” - e seus artigos: 38º “Princípios Básicos”, 39º “Veracidade”, 40º “Respeito a Condições de Credibilidade”, 41º “Respeito a Comportamento e Valores”, 42º “Proibições Especiais para as Crianças”, 43º “Proibição Geral”, 44º “Publicidade Exclusiva para Adultos”, 45º “Dos Preços“, 46º “Publicidade de Alimentos” e o capítulo 8º – “Publicidade em Meios Digitais e Interativos”, artigo 51º “Mensagens Comerciais Digitais e Os Meninos, Meninas e Adolescentes” (Comisión Nacional de Autorregulación Publicitaria, 2013).

No artigo 38º - Princípios Básicos – os parágrafos 1, 2 e 3 expõem que a publicidade direcionada aos menores, e de produtos que os tenham como público-alvo, devem cumprir o que o código de ética determina. Por fim, quando a mensagem não for direcionada ao público infantil, e apresentar algum elemento que não seja apropriado, deve-se deixar claro no anúncio. O artigo também aborda que são consideradas crianças para o código todos os menores de doze anos (Comisión Nacional de Autorregulación Publicitaria, 2013).

Os artigos 39º “Veracidade”, 40º “Respeito a Condições de Credibilidade” e 41º “Respeito a Comportamentos e Valores” expõem que as mensagens publicitárias devem conter informações verdadeiras, e no caso de aquisições adicionais deve estar claro no anúncio. Os anúncios também devem cultivar valores, estilos de vida e hábitos saudáveis, devendo respeitar a ingenuidade dos menores de maneira a não estimular o consumo excessivo ou condutas inapropriadas que possam refletir na segurança, saúde e integridade (Comisión Nacional de Autorregulación Publicitaria, 2013).

Ademais, existem os artigos 43º - “Proibição Geral”- que determina que em jogos, serviços e qualquer outro meio dirigido às crianças, as propagandas não podem fazer referência à violência, pornografia, discriminação e ao consumo de produtos proibidos a menores, como drogas, bebidas alcoólicas, fumo e seus derivados, o 44º - “Publicidade Exclusiva para Adultos” – em que não deve ser direcionada às crianças em nenhum espaço, meio ou horário, 45º - “Preços” - determinando que é proibido o uso de expressões do universo infantil, e o 46º - “Publicidade de Alimentos” – enfatizando que deve-se promover hábitos saudáveis e não deve expressar superioridade e inferioridade ou status social sobre o consumo do produto (Comisión Nacional de Autorregulación Publicitaria, 2013).

Por fim, o capítulo 8º – Publicidade em Meio Digitais e Interativos – artigo 51º “Mensagens Comerciais Digitais e os Meninos, Meninas e Adolescente” – explicita que deve-se incentivar a participação e supervisão dos menores na internet. Além disso, os portais de bebidas alcoólicas na internet, jogos de apostas e produtos de fumo devem ter restrições legais ao acesso dos menores, sendo que todas as mensagens direcionadas a esse público nesse meio devem ser apropriadas a ele (Comisión Nacional de Autorregulación Publicitaria, 2013).

No código peruano, além de apresentar uma definição do que seja criança e adolescente, o título IV apresenta, no artigo 19º, “Publicidade Que Envolve os Menores de Idade”, um alerta para particularidades do público infantil, como sua falta de experiência e ingenuidade, sendo que a publicidade não deve apresentar objetos e situações perigosas e ilegais ao universo infantil, tais como armas de fogo, medicamentos, substâncias tóxicas, conversas com estranho ou conduzindo veículos (Consejo Nacional de Autorregulación y Ética Publicitaria, 2021).

Ademais, a publicidade voltada ao público infantil é tratada em pequenos trechos do artigo 3.2 Diretiva do Conar/2006 – “Bebidas Alcoólicas” - em que esse tipo de produto não deve ser direcionado a menores, devendo essa informação ser exposta para o consumo. Além disso, pessoas menores de vinte e dois anos não devem aparecer nos anúncios, nem se devem usar elementos do universo infantil ou que apresentem o uso excessivo do produto; os anúncios devem ser veiculados apenas em locais direcionados a adultos; e o artigo 3.9 diz que a publicidade, nesses locais, não deve ser feita para persuadir os menores. Deve-se conter a advertência de ser um produto para adultos e de consumo moderado. Por fim, o artigo 3.10, “Campanhas de Responsabilidade Social”, incentiva campanhas de conscientização sobre a proibição de bebidas alcoólicas por menores, e que tragam condutas responsáveis (Consejo Nacional de Autorregulación y Ética Publicitaria, 2021).

No Uruguai, a questão infantil é tratada no artigo 15º, “Categorias Especiais de Produtos”, parágrafo 1º, “Bebidas Alcoólicas”, letra “B”, em que se determina que a publicidade deste tipo de produto seja direcionada a adultos, e não deve apresentar situações com menores. A veiculação da publicidade de bebidas alcoólicas fica restrita a espaços em que a audiência seja de, pelo menos, 70% de adultos, isso inclui programas, jornais, revistas, eventos esportivos, culturais e sociais. Além disso, os modelos usados nas campanhas devem ser maiores de vinte e cinco anos e aparentarem ser maiores de idade (Consejo Nacional de Autorregulación Publicitaria, 2021).

Restrições

A partir de uma análise em cada um dos seis códigos, foi possível identificar uma série de restrições para a publicização de mensagens que envolvam o público infantil, sendo elas: não-presença de menores em anúncios de bebidas alcoólicas, cuidado com a ingenuidade do público infantil, não contrapor valores sociais e a autoridade dos pais, não possuir apelo imperativo ao consumo, não-presença de crianças em ações de merchandising, evitar apelo à sexualidade, violência e elementos que causem medo, e apresentação de informações claras e objetivas com relação à precificação, como pode ser visualizado no quadro 2.

Quadro 2. Restrições

Restrição

Argentina

Brasil

Chile

Colômbia

Peru

Uruguai

Não-presença de menores em anúncios de bebidas alcoólicas

Sim

Sim

Sim

Sim

Sim

Sim

Cuidado com a ingenuidade do público infantil

Sim

Sim

Sim

Sim

Sim

Sim

As mensagens não devem se contrapor a valores sociais e a autoridade dos pais.

Sim

Sim

Sim

Sim

Sim

Sim

As mensagens não devem possuir apelo imperativo ao consumo

Sim

Sim

Sim

Sim

Sim

Sim

Não-presença de crianças em ações de merchandising

Não menciona

Sim

Não menciona

Não menciona

Não menciona

Não menciona

Evitar apelo à sexualidade, violência e elementos que causem medo.

Sim

Sim

Sim

Sim

Sim

Sim

Apresentação de informações claras e objetivas com relação à precificação

Não menciona

Não menciona

Sim

Não menciona

Não menciona

Não menciona

 

Fonte: Dados da pesquisa.

Dentre os sete artigos que tratam da normatização da publicidade infantil na Argentina (31º ao 38º), o artigo 34º define que as mensagens dirigidas às crianças devem evitar atos que as induzam a cometerem qualquer ato de violência física ou mental. Também não deve mostrar lugares inadequados para a idade e situações de perigo ou declarações e imagens visuais que induzam isso, e muito menos apresentar produtos inadequados para a idade. Os artigos 35º, 36º e 37º definem que o conteúdo das mensagens não deve se contrapor a valores sociais e a autoridade dos pais, sugerir vantagem social, física ou mental de uma criança ou adolescente em relação a outra, criar ansiedade de consumo, conter frases mandatórias que induzam a compra ou ridicularize a criança por não ter e/ou consumir o produto anunciado (Consejo de Autorregulación Publicitaria, 2021).

No caso do Brasil, o código vai tratar especificamente da questão infantil, na seção 11, artigo 37, em que deixa claro que nenhum anúncio dirigido às crianças deve ter um apelo imperativo ao consumo e deve contribuir na educação e formação de consumidores conscientes e responsáveis (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária, 2021). Desta forma, os anúncios devem zelar pela segurança dos “pequenos” e pelos bons costumes, exaltando valores positivos, banindo qualquer tipo de discriminação e mensagens que provoquem medo, não apresentando qualquer tipo de superioridade e inferioridade por causa de um produto ou serviço anunciado. Situações incompatíveis com a idade, e que provoquem constrangimento aos pais ou que molestem terceiros por causa do consumo, também devem ser banidas.

Ainda de acordo com o código, também é proibido o uso de crianças em apelos diretos, recomendações ou sugestões de uso e consumo, além de que os anúncios não devem assemelhar-se a matérias jornalísticas, isto é, deve-se deixar claro que se trata de uma peça publicitária, e não fingir ser uma fonte informativa. O uso de crianças é permitido apenas em demonstrações de produtos e serviços, desde que os produtos anunciados não sejam incompatíveis com a idade dos pequenos (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária, 2021).

Algo que diferencia o código brasileiro em detrimento dos demais, corresponde na restrição às ações de merchandising indireto que contenham crianças, elementos do universo infantil ou outro elemento que chame a atenção dos pequenos, devido a que nos programas e conteúdos destinados a esse público a publicidade deve estar restrita aos intervalos comerciais. Ainda no caso do merchandising indireto em programas infantis, a ação deve ser direcionada a adultos, não objetivando o consumo por crianças, e a mensagem não deve ter elementos que despertem o interesse do público infantil. Por fim, os anúncios não devem informar que os produtos destinados às crianças possuem características peculiares quando eles, na verdade, têm características aos similares.

No caso do código chileno, o primeiro cuidado é exposto no artigo 21º, em que se deve ter cautela ao anunciar para o público infanto-juvenil, devido às suas características psicológicas, em especial a falta de conhecimento e de experiência delas, além de não poder haver anúncios em espaços indevidos a menores (Consejo de Autorregulación y Ética Publicitaria, 2020).

Deve-se evitar qualquer tipo de apelo à sexualidade, violência agressiva injustificada e elementos que causem medo aos menores ou prejudiciais à saúde das crianças, tais como: anorexia, bulimia e obesidade. Não se deve aproveitar da ingenuidade desse público, evitando gerar expectativas irreais, menosprezar valores positivos, expressar qualquer tipo de discriminação de superioridade e inferioridade. E em anúncios de caridade, não se deve explorar a ingenuidade e o sentimento de culpa dos menores (Consejo de Autorregulación y Ética Publicitaria, 2020).

O artigo 29º, sobre a publicidade de “Alimentos e Bebidas Direcionada ao Público Infantil”, segue as mesmas diretrizes apresentadas no artigo 21º, sobre a publicidade dirigida às crianças, em especial, o fato de que a publicidade não deve explorar a ingenuidade de maneira a confundir, devendo evitar promessas ou gerar expectativas sobre os benefícios nutricionais. Não se deve, também, gerar o sentimento de premiação com a obtenção do produto, apesar de promoções serem permitidas. Por fim, a publicidade não deve tirar a autoridade dos pais e responsáveis na escolha do que é melhor para seus filhos (Consejo de Autorregulación y Ética Publicitaria, 2020).

Quando o anúncio contiver preço, deve vir com informação clara e objetiva, e não deve conter apelações a compras excessivas, e quando o produto anunciado fizer parte de uma coleção e requerer compras complementares, deve ser comunicado de forma objetiva. A promoção de ofertas é permitida, desde que não se exagere no valor dos prêmios ou nas possibilidades de ganhá-los. A veiculação de anúncios deve ser em espaços adequados ao público menor. Por fim, os pais ou responsáveis devem encontrar, na publicidade, um fator auxiliador na formação de cidadãos e consumidores responsáveis, não devendo tirar sua responsabilidade (Consejo de Autorregulación y Ética Publicitaria, 2020).

No código colombiano, mais especificamente no artigo 42º - Proibições Especiais Para Meninos e Meninas - o qual traça regras específicas para crianças (na visão do Conar-Colômbia, são crianças todos menores de quatorze anos), é exposto que, nas mensagens, não sejam usadas frases imperativas de consumo ou expressões omissas de compra e consumo, e não apresentem crianças em situações violentas, de conteúdo sexual ou que traga risco, seja físico ou psicológico (Comisión Nacional de Autorregulación Publicitaria, 2013).

Também é proibido incentivar a compra de um produto/serviço que possa expor as crianças a risco, sem a companhia de adulto responsável pela internet e telefone, assim como estimular o consumo desequilibrado de comidas e bebidas. Por fim, é proibido tirar a autoridade dos pais e responsáveis e atentar contra valores sociais e culturais colombianos. Este artigo determina, também, que os produtos devem levar em conta as limitações do público a qual se destina, minimizando as dificuldades que alguns produtos demandam para o uso (Comisión Nacional de Autorregulación Publicitaria, 2013).

No Peru, o artigo 20º, “Respeito à Integridade do Menor”, determina que a publicidade deve respeitar a autoridade dos pais e responsáveis, os valores sociais, e não deve ir contra esses princípios, além de que não deve usar frases imperativas ao consumo, criar ansiedade ou desenvolver sentimentos de inferioridade e superioridade (Consejo Nacional de Autorregulación y Ética Publicitaria, 2021).

Por fim, no Uruguai, a questão da publicidade infantil é tratada especificamente no artigo 14º “Crianças e Jovens”, em que se recomenda que a publicidade direcionada a esse público deve levar em conta a ingenuidade e inexperiência, não deve apresentar situações violentas ou sexuais, assim como frases imperativas ao consumo ou que tirem a autoridade dos pais e educadores. Ademais, no parágrafo 3º, “Alimentos, Produtos Alimentícios e Bebidas Alcoólicas”, é abordado que a publicidade dirigida às crianças ou menores de doze anos, deve promover hábitos saudáveis, não devendo apresentar situações estimulantes, relacionar o consumo à superioridade social, desmerecer pais e responsáveis, associar o consumo à promoção do crescimento físico ou mental, estimular o consumo impulsivo e compulsivo ou apresentar crianças em situações perigosas, ilegais e imorais (Consejo Nacional de Autorregulación Publicitaria, 2021).

Considerações finais

A primeira questão que se deve observar é que, em geral, todos os países apresentam normas voltadas para o público infantil e para o público adolescente. Apenas o Chile, no 29º artigo - Publicidade de Alimentos Direcionados aos Menores de 14 anos - e a Colômbia, no artigo 42º - Proibições Especiais para Meninos e Meninas - tratam especificamente desse público. Ademais, observa-se que em outros artigos direcionados ao público infanto-juvenil, nos códigos analisados, alguns parágrafos chamam maior atenção para o público infantil, mas de forma isolada no artigo do código analisado.

Existe uma preocupação universal nos países analisados sobre a veiculação e o conteúdo das mensagens publicitárias. As mensagens devem promover valores éticos e morais e, no caso do público infantil, não devem explorar a ingenuidade dos pequenos de forma a gerar prejuízos físicos e psicológicos, além de não poder apresentar elementos sexuais ou que causem medo. No caso da veiculação direcionada a espaços, programas, horários e meios que tem como público-alvo as crianças, é proibida, em todos os países, a veiculação de mensagens de produtos exclusivos para adultos, tais como bebidas alcoólicas e medicamentos.

Observa-se, também, que em todos os países existe uma preocupação com os anúncios de bebidas alcoólicas e de produtos alimentícios, sendo que no caso das bebidas alcoólicas, o Brasil possui as normas mais restritas, proibindo o uso de menores de vinte e cinco anos nesse tipo de anúncio, e o Uruguai as normas mais liberais, visto que as pessoas presentes nos anúncios só precisam ser maiores de idade.

No caso da publicidade de alimentos, existe uma unanimidade que todo anúncio deve promover hábitos saudáveis e não deve incentivar o consumo exagerado. A publicidade dos meios digitais também é discutida pelos códigos. Quando citada, a publicidade de bebidas alcoólicas, nos sites das marcas, deve ter algum tipo de aviso que limite o acesso de menores.

As questões de preço e conscientização também devem ser destacadas. Sobre os preços, o Chile e a Colômbia deixam claro que quando forem divulgados para mensagens direcionadas aos menores, devem vir de maneira clara e objetiva. O incentivo da promoção de campanhas publicitárias de responsabilidade social, como por exemplo de conscientização sobre uso e vendas de bebidas alcoólicas, é ponto comum encontrado nos Códigos Deontológicos do Brasil e Peru.

Devido a algumas normas próprias da indústria ou das legislações nacionais específicas dos países, algumas categorias de produtos não apresentam normas especificas nos códigos ou são normatizadas de uma maneira superficial, em que o leitor é direcionado às legislações nacionais ou normas das indústrias existentes. São exemplos de categorias de produtos especiais: o tabaco, em que a publicidade é normatizada por leis nacionais na maioria dos países; armas de fogo, no Brasil, por exemplo, existe uma legislação federal que proíbe a venda desse tipo de produto aos cidadãos comuns; a publicidade de alimentos na Argentina, que é tratada pela indústria, entre outros.

Em síntese, especificamente sobre os Códigos de Autorregulamentação Publicitária e a publicidade infantil, deve ser destacado:

Na Argentina, o código de ética dos publicitários trata, basicamente, de princípios e restrições que a publicidade infantil deve seguir, e se destaca por tratar da publicidade em jogos e nas novas mídias; no Brasil a publicidade dirigida às crianças é proibida4, o código fornece algumas diretrizes para que a publicidade seja um coadjuvante na educação das crianças, além de apresentar, também, as categorias especiais de produtos (bebidas alcoólicas, comidas e bebidas), e diretrizes para o merchandising editorial. O Chile trata da participação dos menores na publicidade e de como se dirigir a eles. Além disso, são apontados alguns pontos especiais na publicidade de medicamentos e produtos da saúde e a publicidade de bebidas e alimentos dirigida a esse público. Na Colômbia, o código traz uma série de normas gerais para diversos aspectos da publicidade, especificadas no caso da publicidade de alimentos e bebidas e dos meios digitais; No Peru e no Uruguai a questão infantil é tratada de maneira geral, e se especifica na questão das bebidas alcoólicas, alimentos e produtos alimentícios.

Por fim, percebe-se que, de acordo com o contexto sul-americano e os Códigos Deontológicos analisados, o Brasil encontra-se em um estágio mais avançado na normatização da publicidade infantil sobre os demais. A regulação exposta nos códigos, a partir da presente análise, mostrou, também, que a Argentina, Chile e Colômbia encontram-se em um nível intermediário, Peru em um nível pré-intermediário e o Uruguai em um nível básico, pois não apresenta contribuições relevantes sobre a publicidade infantil.

Em linhas gerais, a publicidade voltada ao público infantil, com o objetivo de persuadi-lo a levar ou influenciar a compra, deveria ser proibida em todos os países, pois este público-alvo não possui um senso crítico de julgamento desenvolvido devido à pouca experiência de vida e consumo. Tal constatação levou a países, como Alemanha, Noruega e Suécia, e a província de Quebec, no Canadá, a proibirem, terminantemente, a publicidade infantil nos diversos meios de comunicação (Efing e Marques, 2017).

Os códigos de ética devem, assim, criar mecanismos eficientes que restrinjam o uso de crianças em campanhas publicitárias que promovam o apelo direto ao consumo, vetar a veiculação de produtos direcionados a maiores em determinados horários e locais frequentados por crianças, tais como escolas e parques; e todas campanhas cujos objetivos sejam vender um produto destinado ao público infantil devem ser direcionadas aos pais e responsáveis. Ao mesmo tempo, os governos e o próprio mercado podem utilizar-se de uma publicidade educativa para orientação deste público em assuntos que agucem seu poder de cuidado e reflexão, como segurança e meio ambiente.

 

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Notas

[←1]

 Palavras aqui utilizadas como sinônimas, seguimos assim as diretrizes da legislação nacional que as definem na Lei 4.860, de 18 de julho de 1965 como sinônimas.

[←2]

Ainda assim, o código de autorregulamentação publicitária da Colômbia em vigência é o expedido pelo CONARP-COLÔMBIA e, dessa forma, para efeitos da análise presente nesta pesquisa, será utilizado o referido código (ver Unión Colombiana de Empresas Publicitarias, 2018).

[←3]

As informações presentes nesse tópico estão presentes nos Códigos de Autorregulamentação de seus respectivos países e foram sintetizadas nesse tópico.

[←4]

Resolução 163 de 13 de março de 2014 do CONANDA (Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente) determina que toada a publicidade veiculada no Brasil não deve ser direcionada a menores de doze anos. Disponível em: <https://crianca.mppr.mp.br/pagina-1635.html>