Austral Comunicación
ISSN (e) 2313-9137 ISSN (I)
2313-9129
Volumen 7, número 1- Junio de
2018
Thiago Perez Bernardes de Moraes
thiagomoraessp@hotmail.com
Centro Universitário Campos
de Andrade, Curitiba.
Recibido: 6 de octubre de 2016.
Aceptado: 5 de septiembre de 2017.
DOI: https://doi.org/10.26422/aucom.2018.0701.per
A corrupção é um fenômeno social que em regra favorece alguns em revelia de outros. O fato da
cultura política ser tanto “causa” como “consequência”
da corrupção é fundamental para o
objetivo deste trabalho que
é identificar quais são os
fatores que os internautas brasileiros associam
cognitivamente como componentes da corrupção. Dito de
outra forma, propomos
mensurar como o internauta percebe e associa simbolicamente a corrupção e as instituições. Para tanto, desenhamos
um quase experimento
natural no que consideramos dados do Google Trends
sobre o interesse dos brasileiros em relação à corrupção, ao mundo político e às empresas
privadas. Nossos resultados mostram
que: (I) o interesse dos internautas tanto por
políticos, partidos políticos e grandes empresas é,
significativamente, influenciado pela variável
independente busca no Google sobre corrupção. Contudo, a associação é mais forte em relação
aos políticos e partidos, e
em menor medida para com empresas privadas. (II)
Existe uma tendência
consistente de queda de interesse dos internautas (no
universo on-line) em relação aos
temas relacionados ao “mundo político”, nesse interim, julgamos que existe a possibilidade
de que isso seja um epifenômeno do crescimento da desconfiança e da apatia política, ambas, tendências
verificadas no Brasil.
Palavras chave: corrupção, esquema
cognitivo, internet, Google, Brasil.
Corruption
is a social phenomenon that generally favors some people over others. Political
culture being both the “cause” and “consequence” of corruption, the goal of
this article is to identify what factors Brazilian internet users cognitively
associate with components of corruption. In other words, we seek to measure how
users perceive and symbolically associate corruption and institutions. We
designed a quasi-experiment using data from Google Trends to measure interest
in corruption, the political sphere, and private companies. Our results
demonstrate that: (I) user interest in politicians, political parties, and
large companies are, significantly, influenced by interest in the independent
variable of Google searches for corruption, although the association is
stronger in relation to politicians and parties, and weaker when it comes to
private companies; (II) there’s a constant trend, among internet users, towards
decreased interest in the “political world,” which we believe could be a
secondary effect of growing distrust and political apathy, both observed in
Brazil.
Keywords: corruption,
cognitive scheme, Internet, Google, Brasil.
La corrupción es un fenómeno social que en la regla
favorece a algunos en los defectos de otras personas. El hecho de que la
cultura política sea tanto "causa" como "consecuencia" de
la corrupción es fundamental para el objetivo de este trabajo que es
identificar qué factores los internautas brasileños asocian cognitivamente como
componentes de la corrupción. Dicho de otro modo, medimos cómo el usuario
percibe y asocia simbólicamente la corrupción y las instituciones. Para eso,
dibujamos un cuasi-experimento
natural en el que consideramos datos de Google Trends
sobre el interés de los brasileños con respecto a la corrupción, el mundo
político y las empresas privadas. Nuestros resultados muestran que: (I) el
interés de los internautas por los políticos, partidos políticos y las grandes
empresas es, significativamente, influenciado por el interés de la variable
independiente de lo registrado en Google. Sin embargo, la asociación es más
fuerte en relación con los partidos y los políticos y en menor medida a las
empresas privadas. (II) Existe una tendencia constante de caída de interés de
usuarios de Internet (en el universo on-line) respecto de cuestiones
relacionadas con el "mundo político". Esto nos hace creer que hay una
posibilidad de que sea un epifenómeno de la creciente desconfianza y la apatía
política, ambas tendencias observables en Brasil.
Palabras clave: corrupción, esquema cognitivo, internet, Google, Brasil.
Marcelo Baquero (2015) ensina
que em uma ótica funcional, a corrupção
atinge as relações sociais,
políticas e econômicas de uma
sociedade, agindo como um substituto da participação
política legitima. O sigilo é o que permite o desvio arbitrário do monopólio da violência para o uso do poder com
foco nos fins privados. Do ponto de vista ético, as
elites políticas criam seu
código de conduta baseado em uma
ideologia que promove a “lealdade” e a “solidariedade”
entre seus pares em outras palavras, um capital social
negativo. Tal capital, por sua vez, mina parte das fundações e alicerces de institucionalização de uma
democracia substantiva. Neste tipótono
os corolários da corrupção plasmam-se em quatro vias: (I) existem sempre benefícios para membros de uma rede; (II), além disso, tem-se
o estabelecimento de uma distância crescente entre as elites e os cidadãos;
(III) verifica-se também o aumento da inclinação individual em todos os níveis
do sistema e (IV) por fim, há
o estabelecimento de um
pacto de silêncio compartilhado
por todos os participantes, que outorga lastro para preservação do sistema. A corrupção,
quando institucionalizada, fornece a base para o comportamento oportunista e a ocorrência
da corrupção, enquanto o contrário, a retomada da confiança,
é uma via para se combater
o comportamento do tipo “free-rider”.
Nosso trabalho segue um objetivo convergente ao de
José Álvaro Moisés (2010): identificar quanto a variável corrupção influencia a
cultura política. Nesse sentido, a dúvida que guia este trabalho é: os internautas brasileiros associam (enquanto esquema
cognitivo) de forma mais assertiva
a corrupção aos partidos
políticos, aos políticos profissionais
ou às empresas privadas?
Considerando que de um lado, a cultura política é mais personalista, focada nos
políticos individuais, nossas
hipóteses são:
H1- Provavelmente o fator corrupção se associa
cognitivamente de forma mais inteligível
aos “políticos individuais”
do que aos partidos políticos e às
empresas privadas.
H2- Considerando o cenário
de democracia inercial visto no Brasil, é provável
que a apatia política (na
forma de menor interesse registrado) também se manifeste no universo on-line.
Vale destacar que de alguma
forma, como sugerem Thiago Moraes e Doacir Quadros (2017), até o impeachment da ex-presidenta
Dilma Rousseff em parte foi um
epifenômeno da insatisfação
política que fortemente se plasmou
no universo on-line (em simbiose
com o off-line)
brasileiro. Como indagado por Marcello Baquero,
Henrique Castro e Sônia Ranincheski
(2016), existe hoje entre os brasileiros uma tendência de declínio quanto à confiança nas instituições
que está ad hoc aliada com a
percepção negativa em relação
não só aos
partidos e aos políticos, mas também,
contra a própria democracia existente no Brasil, onde
no limite, pode-se classificar a cultura política
brasileira como receosa, no sentido de se opor em última instância aos preceitos da democracia
liberal. Propomos neste trabalho que tal apatia política
reside no fato de que os brasileiros muito associam a corrupção, ou mais precisamente os escândalos de corrupção à figura
do político individual (e ao mundo político de forma geral).
Tornou-se predominante a ideia de que a participação política é marcada como dominada por eleitores racionais, ou seja, indivíduos
calculadores, não apáticos, bem
informados sobre assuntos políticos e com pontos de vista definidos sobre tais
pautas e que balizam a decisão do voto por meio de um conjunto complexo de fatores. Dentre
tais variáveis destacam-se cálculos de utilidade
pessoal tendo em vista o objetivo de maximizar a sua ação; avaliação das plataformas
políticas e do desempenho do
partido e candidatos em relação às
questões políticas consideradas pertinentes. Tal avaliação deriva de afinidades entre o ponto de vista e as propostas dos partidos e
candidatos, além de cálculos sobre o modo mais eficaz de agir frente à
oferta eleitoral. A importância
atribuída a cada fator varia conforme as circunstâncias da arena eleitoral,
onde, em cada eleição o eleitor
tal qual um consumidor avalia as opções com base no desempenho ou outras características que permitem algum tipo de inferência sobre sua capacidade, e, pontuando cada
demanda, realiza sua escolha.
Se por um lado, o indivíduo
pode ter uma inclinação a
perseguir seus objetivos, por outro,
evidências empíricas, como pesquisas realizadas desde
a década de 1970, que sinalizam
que a maioria dos eleitores
no Brasil apresenta pouca informação política, pequeno grau de estruturação ideológica e
fraca inter-relação lógica
entre suas ideias
políticas. Dentro do conceito previsto por Bourdieu
como “ethos de classe”, os eleitores mais desprovidos de saberes políticos são
os que mais precisam
recorrer aos esquemas de percepção
para produzir opiniões e
tomar decisões políticas (Radmann,
2001; Silveira, 2015).
A cognição humana compõe-se por um sofisticado
sistema de processamento de informações
e o processo mais básico veiculado por ela é a categorização. Esta propensão
mental de estabelecer taxonomias
nada mais é que a tendência
de perceber estímulos como integrantes de grupos ou classes em vez de entidades isoladas e únicas. Os psicólogos sociais
usam o termo “esquema” para denotar uma estrutura de cognições bem organizada acerca
de alguma entidade social assim como uma pessoa, um grupo, um papel ou uma
situação. Geralmente
esquemas incluem informações
sobre os atributos de uma entidade
e sua relação causal com outras. Independentemente
de seu conteúdo exato, os esquemas nos possibilitam
organizar e rememorar fatos, além
de propiciar meios para a execução
de inferências que vão além dos fatos imediatamente disponíveis, mas que visam avaliar novas informações. Existem vários esquemas
distintos, que incluem desde esquemas de grupo, do eu, de papeis e de acontecimentos. Na vida diária, os indivíduos fazem largo uso de todo este repertório,
como se elenca na tabela 1.
Os esquemas ajustam a situação e os modos que os indivíduos
reagem as tomadas de decisões
de várias maneiras: eles influenciam a capacidade de
recordar informações que salientam
certos tipos de fatos e os tornam
fáceis de serem lembrados; ajudam a processar informações de maneira mais rápida; orientam as inferências e os julgamentos
acerca das pessoas e dos objetos; permitem
reduzir a ambiguidade, fornecendo um modelo de interpretação dos elementos de características ambíguas, em situações por vezes constrangedoras. Uma vez que aplicamos um esquema,
nossa futura interação com as pessoas que estão nela torna-se muito mais simples. É dizer que os esquemas afetam
principalmente as inferências que realizamos no que concerne os sujeitos e as
entidades sociais, ou seja, quando são
considerados determinados fatos referentes a algo, mas
os outros são ignorados, preenchem-se as lacunas inserindo suposições que sejam coerentes com o nosso esquema relativo ao foco[1] (Michener, DeLamater
& Myers, 2004). Vale dizer também
que os esquemas são dinâmicos,
ou seja, desenvolvem-se e mudam com base em novas informações e experiências, e assim, apoiam-se em uma noção de plasticidade no desenvolvimento; esquemas orientam
como interpretamos novas informações e podem ser influências poderosas.
Esquemas armazenam informações
declarativas (“o quê”) e informações
sobre procedimentos (“como”). Joseph Alba e Lynn Hasher (1983) sugeriram quatro vias para explicar como o esquema pode afetar a memória: primeiro, ele guia a atenção para a informação relevante que deve ser
codificada; permite também que estímulos específicos sejam codificados como “coadjuvantes”,
ou seja, são armazenados sem detalhes; auxilia na interpretação de novas informações ao fornecer o conhecimento prévio; fornece meios para integrar três etapas
anteriores em uma única memória
e fornece um quadro para a reconstrução da memória quando necessário.
Neste mesmo diapasão, Julian Borba
(2005) evoca que a orientação política se distingue
em três vias de análise: a orientação cognitiva, ou seja, os fatores que compõem o conhecimento do sistema
lítico; a crença nele, nos
papéis por ele desempenhados
e principalmente por seus titulares, assim como, seus inputs e outputs; e a orientação afetiva que se traduz nos sentimentos em relação ao sistema político, seus papeis, pessoas
e padrões de valor e critérios;
orientação avaliativa, que
demarca o julgamento e as opiniões
sobre os objetos políticos que tipicamente envolvem a combinação de padrões de valor e também critérios com informações
e sentimentos. Essas orientações seriam avaliadas a
partir de dirigentes de classes de objetos políticos,
através de sentimentos
genéricos, passando por processos
administrativos e políticos, resultando em estância final em três diferentes
tipos de cultura política: a paroquial, a súdita e a participante. Dentro da lógica proposta por Marcello Baquero
(2015) de democracia inercial, o Brasil hoje se adequa mais à cultura política súdita do que a participante.
Em perspectiva histórica, evidencia-se que após a redemocratização
da América Latina, muitos escândalos
de corrupção (de grande proporção)
atingiram o Brasil, como por exemplo,
o impeachment de Fernando Collor.
Em outros países vizinhos situações parecidas também se fizeram presentes, como o caso Carlos Menem, na Argentina, Alberto Fujimori e Alan García no Peru, José López Portillo e Carlos Salinas de Gortari no
México, Abdalá Bucaram no Equador, Rafael Caldera e
Carlos Andrés Pérez na Venezuela. Alguns
fatores têm sido apontados
como propulsores dessa lógica, o primeiro
que merece destaque é a dispersão do poder que criou mais oportunidades para que
atores públicos transacionem favores a fim de obter benesses
privadas. Além disso, as
reformas neoliberais ampliaram
o poder dos agentes sobre bens como empresas públicas
e, as privatizações por sua
vez, criaram oportunidades para extração
de vantagens. Não obstante,
o crescimento de lideranças
políticas personalistas e ou carismáticas se sobrepôs aos partidos e até aos interesses
dominantes, chegando ao
poder através da mobilização
de massa pela televisão. Essa nova lógica levou as campanhas eleitorais a exigirem investimentos largos que, por sua
vez somente são mobilizáveis pela promessa de
favores a financiadores privados. Em todos os casos, existe um
aparente estrato de fundo, um cenário
forjado pela cultura política que é convergente, por exemplo,
tanto com lideranças
carismáticas, como também em relação
à governos populistas e também
pela desvalorização das instituições
como partidos e parlamentos (Moises,
2010). Nesta pesquisa, sugerimos que entre os
brasileiros existe um esquema, ou
seja, uma noção de que a corrupção está veiculada quase sempre a políticos profissionais
em nível individual, partidos políticos e empresas privadas (que seriam os
“demandantes” de políticas e favorecimentos).
Entre brasileiros esse
esquema cognitivo pode ter alçado meios
para se fortalecer, se levarmos
em conta que, como advertem Thiago Moraes e Doacir Quadros (2017), um levantamento ligeiro nas duas
últimas décadas mostra uma
lista extensa de escândalos políticos que foram divulgados pela imprensa
brasileira. Pode-se elencar que desde o caso Celso
Daniel (início da década de 2000) até a Operação Lava Jato (deflagrada em 2014), estima-se que ter havido uma média de meia
centena de escândalos políticos altamente midiatizados[2]. Uma das explicações mais plausíveis para a alta incidência
na divulgação de escândalos reside no eixo de que
estes são amplamente noticiáveis em democracias contemporâneas
levando em conta que estes regimes asseguram aos meios
de comunicação liberdade
investigativa e profissional. O efeito
mais direto de um escândalo é a capacidade de esvaziar a reputação e as relações de confiança dos envolvidos, bem como desapropria os políticos
e aspirantes dos bens
simbólicos necessários para conseguir o apoio da opinião pública. Essa relação tornou-se
ainda mais trucada com a ascensão da internet que trouxe consigo aumento no volume
de informações disponíveis;
difusão de informações de
modo mais rápido (real time);
atualização continua do fluxo
de informações; informação
de maneira fácil, irrestrita
e a um custo baixo. Nesse cenário
de ampla informação e de índices amplos de divulgação de escândalos
políticos, computa-se que existam
as bases para uma desconfiança
generalizada dos brasileiros frente aos agentes
políticos e a seus governantes.
Como bem translucidam
Marcello Baquero, Henrique Castro e Sônia Ranincheski (2016), se as pessoas não acreditam
nos partidos políticos (e também nos próprios políticos), abre-se um
campo onde normas e leis funcionam
precariamente, onde sumariamente se estabelecem as
bases de desinstitucionalização da representação política. Pode haver
o fortalecimento de práticas
atrasadas de representação política e, como consequência, tem-se uma assimetria entre o que se
realiza na esfera política e o que de fato a sociedade demanda. É dizer que a cidadania não parece ter esperanças na atuação
política, visto que, os partidos políticos perdem ainda mais sua
capacidade de mediar interesses.
Isso considerando a persistência
de um padrão de democracia
inercial e de cultura política hibrida em que a desconfiança
nas instituições é um forte estigma, principalmente na última década. Em alguma
medida a diminuição na confiança nas instituições
somada à percepção negativa
em relação à democracia existente no Brasil nos
permite dizer que os brasileiros possuem
uma cultura política com
características pouco favoráveis
ao fortalecimento de uma democracia liberal. Esta análise
corrobora a existência de uma
democracia inercial brasileira. A seguir plotamos um gráfico que compara os valores de 2007 e 2014 referentes
à desconfiança dos brasileiros nas
principais instituições
(figura 1).
O resultado que merece destaque é o de que partidos
políticos, seguido de congresso nacional, tanto em
2007, como em 2014, pontuou mais
do que todas as demais variáveis. É notável também que, em todos os casos, com
exceção da variável
“grandes empresas”, houve no geral
aumento da desconfiança dos brasileiros. Igrejas,
aparentemente, são as instituições
que gozam de maior credibilidade. Em tese, é visível
que existe, sobretudo, uma desconfiança em relação às instituições políticas. Nosso argumento nesta pesquisa é
de que, em parte, isso se deve,
pelo fato dos brasileiros terem, em seus esquemas cognitivos sobre corrupção,
uma maior associação cognitiva para com o
“mundo” político.
Tradicionalmente os dados sociais
e culturais são recolhidos por meio de estudos de campo, painéis de usuários, grupos focais,
entrevistas, questionários e inquéritos
pequenos, centrados em um
único indivíduo, em um
único momento, ou pode também
ser feito de forma gigantesca, compreendendo
milhões de pessoas e em
perspectiva longitudinal. Nesse ínterim,
vale dizer que cada vez mais
as atividades sociais e culturais têm atravessado
e ou se realizam na web, e quando
ocorrem deixam ad hoc “rastros” que são por assim dizer dados, fontes valiosas para a pesquisa social (Kozinets,
2002). A internet oferece aos
pesquisadores sociais o acesso incomparável para o entendimento de minucias da vida cotidiana, por exemplo, dados de websites, fóruns, redes sociais, continuam sendo uma importante fonte de dados
para medições sociais. É possível obter de forma muito discreta muitos dados on-line sobre aspectos efêmeros da
vida cotidiana, que antes não eram
passiveis de investigação.
A pesquisa de internet discreta pode reduzir os
encargos de pesquisa para os pesquisadores sociais (Hine, 2011).
É possível dizer que não existe uma única área que se destaque como propulsora do uso de
dados de motores de busca reversa em pesquisas sociais.
Em um cunho
interdisciplinar, esse tipo de ferramenta
e seu uso vêm se amadurecendo no seio de uma gama de ciências sociais e computacionais correlatas. Michael Thewlwall
(2009), da Universidade de Wolverhamptom,
define que o universo infinito da big data pode ser
útil para que os cientistas sociais
mensurem aspectos da web, compreendendo os comportamentos
que estejam total ou
parcialmente on-line, considerando que este universo é
tanto “causa” como “consequência” e ou reflexo do universo off-line.
No Brasil, o Google Trends[3] foi utilizado em alguns estudos sociais para se responder perguntas sobre a relação entre cognição política, acontecimentos
sociais e manifestações
políticas e eleitorais. Um
dos primeiros estudos que aplicou a ferramenta no Brasil
(Moraes & Santos, 2014a), teve como objetivo medir a intensidade
e os fatores veiculados a eclosão
(e dispersão) das “Jornadas de Junho”
em 2013. O Estudo denotou
que, inicialmente, os protestos incharam não por causa da causa dos “0,20 centavos de real” da
tarifa de ônibus, mas sim,
por conta da indignação moral gerada
pela violência desproporcional perpetrada contra os
manifestantes em São Paulo na Avenida Paulista. Em um determinado momento, a pauta de reinvindicações
se tornou tão ampla e confusa que se converteu em
trivial, supérflua para os internautas. Nesse ponto o que se tornou interessante mesmo, enquanto acontecimento social, foram os
protestos. A ampla midiatização gerou
um ciclo de retroalimentação,
não por causa de pautas sociais,
mas sim, pela “necessidade”
individual de fazer parte de “grandes eventos sociais”.
Em outro estudo,
Thiago Moraes e Romer Santos (2014b) mensuraram o efeito que o interesse dos internautas pelo programa Bolsa Família[4], poderia ter, do ponto de
vista eleitoral. Comparou-se
nesse sentido a distribuição
de interesse pelo programa (ou
seja, de pessoas que buscaram informações no Google,
próximas e durante períodos eleitorais,
sobre o programa Bolsa Família) e a distribuição de votos nos candidatos a presidente do PT e
do PSDB nas eleições de
2006, 2010 e 2014. O resultado deixou claro que, o
Bolsa Família funcionou
para uma considerável fatia dos eleitores como um atalho cognitivo para a tomada
de decisão eleitoral, um efeito que tendia
a adicionar votos ao candidato do PT e retirar votos
do candidato do PSDB. Diferente de outras abordagens, que compararam, por exemplo, a distribuição direta dos benefícios, aqui se contabiliza o “efeito
cognitivo”, enquanto variável
independente.
Ainda no Brasil, utilizou-se o Google
Trends para medir o efeito
que a comoção, gerada pela morte do candidato Eduardo Campos, exerceu
possivelmente sobre os votos de Marina Silva. Os
resultados sinalizam que mais
de 2 milhões de votos podem
ser atribuídos como “causa” do efeito
comoção entre os brasileiros (Moraes & Moraes,
2016). Convergente com o
objetivo deste trabalho,
Thiago Moraes, Romer Santos e Suelen Moraes (2016), estudaram o efeito que o evento
de “Mensalão” gerou no interesse dos internautas nos maiores
jornais do país. O resultado mostra
que a questão, por ser complexa, não
se sustenta em uma generalização
simples; nesse caso, não houve relação cognitiva entre o interesse pelo tema mensalão e a média total dos jornais. Contudo, encontrou-se uma relação específica entre o interesse pelo Mensalão, e o
jornal O Estado de São Paulo, onde 15% das demandas pelo jornal podem ser explicadas por esse
fator independente. Atribui-se, nesse
caso, que o que reforçou essa
associação cognitiva fora o
posicionamento especifico deste
jornal, que adotou, em comparação
com os demais, um posicionamento mais hostil em relação aos atores envolvidos no evento.
Tal hostilidade pode ser talvez
justificada como uma estratégia,
ou seja, uma forma de adquirir mais visibilidade explorando de forma mais
“intensa” escândalos políticos.
Nesse trabalho fora esquadrinhado um desenho quase experimento natural
de pesquisa visando mensurar os esquemas cognitivos dos brasileiros relativos à
corrupção e suas associações. Utilizamos como principal fonte
de dados às frequências geradas com o Google
Trends relativas ao
uso de internautas brasileiros do motor de busca do Google. O Google Trends é uma ferramenta gratuita que
funciona como um motor de busca reversa oferecendo dados sobre a distribuição
no tempo e no espaço de interesse registrado por internautas, de praticamente todos os países, de 2004 até o presente.
A ferramenta gera dados padronizados de 0 (frequência mínima, baixa aderência entre os internautas) e 100 (frequência
altíssima de interesse
entre internautas) (Moraes & Santos, 2013, 2015). Nesse
estudo, consideramos como recorte espacial o Brasil,
considerando todas as unidades federativas e o distrito federal e como escopo temporal, destacou-se
o período de 01/12/2003 até 01/06/2016, com 612
semanas em total de monitoramento de dados.
Quanto às diretrizes das frequências, escolhemos utilizar
apenas as do tipo Beta[5], ou seja, que não são termos específicos mais sim tópicos. Isso amplia consideravelmente o refinamento quanto à precisão dos dados. Os
tópicos buscados nesse sentido foram:
(I) Corrupção (registrado no
Google como “tópico”);
(II) Político (registrado no Google como “ocupação”);
(III) Partido político (registrado no Google como “tipo
de organização”);
(IV) Empresa privada (registrado no Google como
“tópico”).
Após coletados os dados, organizamos as frequências de dados e estudamos
as estatísticas descritivas
e também buscamos associações
estatísticas utilizando em todos os casos o intervalo
de confiança de 95%. Em nosso
modelo de regressão linear comparativo, considerou-se como variável dependente o interesse
dos internautas brasileiros pelos temas “empresa privada”, “partido político” e
“político” e como variável independente elencou-se as buscas dos internautas brasileiros pelo tema
“corrupção”.
A seguir no Gráfico 2 e na Tabela 2, plotamos dados
referentes a distribuição temporal de buscas dos
internautas brasileiros no Google pelos temas corrupção,
político, partido político e empresa privada (figura
2, tabela 2).
Como destacado nos procedimentos
metodológicos, a frequência do Google
Trends classifica os
valores de 0 pontos (valor baixíssimo) até 100 pontos
(valor mais elevado). Visto a tabela
acima, podemos dizer que alguns dos resultados merecem
destaque especial:
(I) O interesse brasileiro
por “partido político” tem um
ciclo anual (sazonal): aumenta até o dia 1º de julho e diminui até o começo de dezembro, num movimento
regular. Da mesma forma, evidencia-se nesta categoria um ciclo sazonal praticamente idêntico. Em parte, consiste com
o esperado dos ciclos eleitorais, onde a campanha, e ou a pré-campanha, inicia por volta de julho
e a eleição conclui-se em outubro / novembro e, o reflexo disso na
amostra se manifesta no comportamento do internauta.
(II) Ainda no que diz respeito a variável partido político, cada elevação
em 10 pontos na frequência
de interesse dos internautas brasileiros por
política, faz elevar aproximadamente 5,52 na frequência partidos políticos. Isso
fornece lastro ao argumento de que existe um esquema cognitivo em que o político, em parte, é associado à figura do partido político, mesmo que para ele, não seja muito claro as atribuições deste (ou do outro).
(III) O padrão de interesse do internauta brasileiro pelo tópico “corrupção” varia de 4 pontos (menor pontuação
do período, verificada em dezembro de 2008 e 2010) a
72 (maior pontuação
evidenciada no período, em julho de 2005), com a maior parte dos valores sendo os mais baixos,
com uma mediana de 13
pontos.
(IV) Existem valores de exceção para o tema corrupção, sendo eles: (a) pico de 57 pontos (maio
de 2005) e de 72 pontos (julho de 2005). Tais períodos coincidem com a ampla repercussão da mídia (Veja, Jornal Nacional) do escândalo de corrupção que envolveu os Correios, (b) pico de
38 (setembro de 2014) e (c) 62 (em fevereiro de 2016).
(V) Já a variável
“político” varia de 7 pontos, em dezembro de 2008 a
100 em agosto de 2006, com a maior
parte dos valores se mantendo em uma
frequência baixa. A mediana
é 19.
(VI) A variável “partido
político” varia de 3 pontos (dezembro de 2008, 2009,
e novembro de 2010 e 8 pontos para os outros) a 55 pontos, pontuação mais elevada observada no período em agosto de 2006,
período da eleição presidencial. Contudo,
no geral, a maior parte dos
valores podem ser definidos como “baixo
interesse”, com uma mediana de apenas 8 pontos. Dito de outra
forma, os dados sinalizam que o tema “partido
político” é pouco presente no universo de buscas
realizadas no Google por internautas brasileiros.
(VII) Apesar dos repetidos escândalos políticos da última década, e da intensa
cobertura midiática, o que se plasmou
no nosso resultado, quanto
à tendência de evolução do interesse em corrupção, foi uma diminuição
linear 0,9% do interesse em todo período observado. Isso quer dizer
que o brasileiro tem se tornado um
pouco menos interessado no
tema corrupção ao longo da
última década, pelo menos no universo on-line.
(VIII) A tendência de queda
de interesse temporal é ainda
mais pronunciada quando
consideramos a variável “político” (7,2% de queda) e
principalmente o interesse por “partidos políticos”
(26,5% de decréscimo). Esses
resultados são bastante contraditórios
frente aos dados do TSE que mostram
uma elevação no número de
filiados a partidos políticos na última década (o que
seria um suposto sinal de maior participação política), impulsionado, sobretudo pelas eleições municipais. É dizer que, pode até haver mais candidatos; contudo, não existe evidência de que os indivíduos estejam mais informados politicamente.
Dito de outra forma, os candidatos estão se tornando mais “desinteressantes” para os internautas brasileiros (tabela 3).
Analisando a lista de anomalias, notamos o seguinte:
(I) O fluxo do dia 01/07/2005 aparentemente se relaciona a um “Pacote” composto de uma série de medidas adotadas pelo presidente Luiz Inácio
Lula da Silva para combater a corrupção
em órgãos públicos (pouco
tempo depois da eclosão do escândalo dos Correios). O
conjunto de medidas integrou o projeto
de lei que estabeleceu o
Sistema de Corregedoria do Poder Executivo Federal
(que basicamente cria uma corregedoria para cada ministério).
(II) A elevação do interesse do internauta pelo tema “político” registrado no começo do mês sete, em 2014,
parece guardar relação com
a notícia de que 6 dentre
13 mortes de políticos que ocorreram
na baixada do Rio de
Janeiro estavam diretamente
relacionados a milícias.
(III) No mês oito em 2014 houve uma elevação no tema “político”
que coincidente com a trágica morte
do candidato a presidente Eduardo Campos, em um acidente de avião. O evento, como
registrado na literatura (Moraes & Moraes, 2015),
levantou larga comoção
popular, e, provavelmente, deu
um impulso eleitoral na capacidade que Marina Silva
teve naquela eleição. A
onda de crimes foi um mês antes das eleições municipais.
(IV) O aumento do interesse
dos internautas brasileiros relativo à corrupção na primeira semana do mês sete de 2015 parece se relacionar com
a 15º fase da Operação Lava Jato (Conexão
Mônaco), onde a Policia
Federal indiciou o ex-diretor
da Petrobras (Jorge Zelada) e mais cinco pessoas por corrupção. Destaca-se que o delator Milton Pascowitch
(empresário) testemunhou
que José Dirceu[6] recebeu propina por
contratos na Petrobras. Essa
propina, de acordo com o depoimento, era para que a Engevix,
uma das empresas investigadas pela Polícia Federal, mantivesse
contratos com a Petrobras.
(V) O aumento de buscas realizadas no Google pelo tema
corrupção verificado na primeira semana do mês oito de 2015, parece se relacionar com
a 17º fase da Operação Lava Jato (Pixuleco),
onde se cumpriram 40 mandatos judiciais,
com o resultado da prisão
para José Dirceu e Luiz Eduardo de Oliveira e Silva (seu irmão).
A seguir, para aferir o efeito que a variável corrupção exerce sob cada uma das variáveis dependentes elencadas, traçamos três modelos
comparativos de regressão linear conforme elencamos a seguir. Considerou-se
como variável dependente o interesse registrado pelos temas “político”, “partido
político” e “empresas privadas”; enquanto como variável independente se levou em
conta apenas a distribuição temporal de buscas no
Google pelo tópico corrupção (tabela
4).
Em todos os casos, pelo menos para os três pontos dependentes elencados
(políticos, partidos políticos e empresas privadas), o
resultado permite endossar o argumento de que a corrupção hipertrofia a desconfiança
nas instituições. Como
diferencial, nossos dados mostram
como isso ocorre, nesse caso, o esquema cognitivo dos brasileiros se
correlaciona mais forte, em
ordem respectiva referente aos
políticos (onde a variável independente explique
25,9% da distribuição temporal de buscas por corrupção), partidos políticos (19,9%) e em menor proporção quanto às empresas privadas (16,1%). Um
ponto que foge do escopo deste
trabalho é a premissa de
que, provavelmente, existe uma
simbiose entre nossos
resultados e o enquadramento midiático.
É dizer que possivelmente,
as buscas efetuadas no Google tal como aferimos são um
epifenômeno do modo que o enquadramento
midiático foi composto e como este influenciou na “construção social da realidade”, ou como aqui propomos, na composição dos esquemas
cognitivos (figura 3).
De toda forma, todos os modelos mostraram
larga validade, o que nos permite dizer que existe
entre os brasileiros um amplo esquema cognitivo
relativo ao fator corrupção
onde se atribui como “causa” dos atos
ilícitos os políticos, os partidos e as empresas
privadas (respectivamente). Um dos passos, por assim dizer, para recuperar, a confiança
dos brasileiros nas instituições,
reside no desafio de modificar os esquemas cognitivos
dos indivíduos, desvinculando a ideia
de que, tais instituições elencadas estejam sempre ad aeternum comprometidas
pela corrupção. Evidente que, pelo menos duas demandas, têm de ser cumpridas para reverter esse quadro; por um lado, que a corrupção em tais níveis se torne mais baixa (o que demanda o aperfeiçoamento
de instrumentos de accountability
vertical, além de mudanças culturais), por outro, que (como consequência deste passo) os aparelhos ideológicos passem a midiatizar menos ou de outra forma a corrupção. Nossos dados corroboram a premissa verificada outrora nas pesquisas de opinião, de que, tanto a arena política, como as empresas
privadas fazem parte do horizonte de desconfiança do Brasileiro, porém,
o primeiro, muito mais do que o segundo. Filgueira
(2017) dentro dessa lógica alvitra
que a responsabilidade política dependente de um sistema de construção de verdade que se relaciona à lógica do controle da corrupção. Claro que aquilo que é
desnudado ou transparecido pode se tornar uma denúncia moral, ao contrário de responsabilidade no juízo da
esfera pública. É dizer que o denuncismo
moral anula qualquer possibilidade
de debate público sobre a corrupção, visto que a obviedade de uma realidade comum passa a compor o cenário junto da histeria ética. Aqui,
a desocultação, de alguma
forma, colabora para uma re (ocultação),
ou seja, considerando que a
corrupção é um problema
político em primeiro plano, a centralização
compreensiva neste plano,
em revelia de outro, pode
ocultar seu real alcance.
Considerando que nossos
resultados mostram que os internautas brasileiros associam mais fortemente
a corrupção como relacionada aos
políticos do que relacionada aos empresários,
podemos supor que dentro do período elencado a consolidação do
político, como imagem mais associada à corrupção, fez se tornar um pouco mais fraca
a percepção de que as
empresas privadas (os demandantes da corrupção política),
o que reforça o argumento de re (ocultação).
Todavia, é interessante
notar que nos três casos, políticos, partidos e empresas, houve uma associação cognitiva dos
internautas brasileiros para com o fator de corrupção. O que denota de alguma
forma que a corrupção no Brasil está se transformando
em “escândalo” e de alguma
forma, se tornando mais enraizada do ponto de visto
cognitivo no inconsciente coletivo do internauta
brasileiro, algo plasmado em nossos
resultados.
Fernando Filgueiras (2017) lembra que o escândalo político pode ser dividido em seis passos: o primeiro deles, a publicação de um evento
“chocante” para o escrutínio público. Segundo, existe
a tomada de posição por parte da mídia
como importante agente propagador do escândalo. Terceiro, ocorre à defesa dos envolvidos, geralmente, buscando
desmentir as acusações. Quarto,
o escândalo atinge um platô, que é marcado por intensa dramatização
por parte das posições políticas contrapostas.
O quinto passo é a execução,
momento em que este fato público se transmuta em questão
de ordem jurídica. Por fim
(sexto passo), existe a rotulação,
ou seja, o encerramento do caso. O escândalo
se desenvolve em via temporal, e como resultado prático, tem-se
que a corrupção é re (ocultada) no campo político e afastada gradualmente da verdade
factual. Essa lógica é marcada por um “esquecimento coletivo”, onde ao se processar simbolicamente a corrupção como parte do mundo político existe a premissa de que ela pode ser re (construída) como “normal” (Filgueira,
2017).
É interessante notar que nossos resultados mostram que as elevações temporais do interesse do internauta no tema corrupção
guardam relações com períodos em que ocorreram “episódios” midiaticamente notáveis acerca da corrupção. Isso mostra que tal simbiose entre escândalo e interesse do internauta é regida por uma
lógica “episódica” onde a corrupção é acompanhada como uma “novela”
marcada por “altos” e “baixos”. É interessante
notar também que o interesse
por corrupção, em comparação
com as demais faixas de interesse registradas sem nossa análise,
deixou de ser coadjuvante
para se tornar protagonista. Ou
seja, o internauta brasileiro nos últimos anos vem buscando se informar mais
sobre corrupção, do que
sobre partidos políticos, políticos e empresas privadas.
João Álvaro José (2010) propõe
que a percepção de corrupção
no Brasil e na América Latina associa-se
com o desenvolvimento, o desempenho das instituições e também com a cultura política.
Até o presente os dados empíricos confirmam que, a aceitação da corrupção afeta a qualidade da democracia, diminui a adesão ao regime, propulsiona
a confiança interpessoal e inibe tendências de participação política. O impacto aqui
é duplo, ou seja, afeta tanto a legitimidade do
Estado democrático, como o princípio segundo o qual “ninguém está acima da democracia”. Neste quadrante fraudasse o princípio da igualdade política, pois os protagonistas podem manter o poder e benefícios desproporcionais; distorcem-se as
dimensões republicanas da democracia, pois se retira o poder das disputas abertas
e levando as decisões relativas às
políticas públicas para o nicho dos acordos feitos em bastidores (que tendem
a favorecer interesses espúrios).
Em todo caso, corrupção no Brasil tem
colaborado de forma direta para o crescimento
da desconfiança de forma generalizada. Os resultados aqui obtidos corroboram
em alguma medida que existe uma
associação cognitiva coletiva
do tema corrupção, para com
os atores políticos, empresas privadas e partidos
políticos.
Vale por fim destacar que em
primeiro momento verificamos que houve
significativa relação entre o “esquema cognitivo” corrupção e as faixas temporais do interesse dos
internautas brasileiros pelos temas político (em nível
individual), partido político e empresas privadas. Isso sinaliza que, uma parcela significativa de internautas brasileiros associa de forma cognitiva a corrupção
a estas variáveis (política e
mercado). Em segundo momento, aferiu-se que, contudo, a associação é muito mais forte para o caso de
políticos (em nível individual) do que empresas
privadas, o que já era esperado, se tratando de uma cultura política personalista. A variável
independente “percepção de corrupção”
responde a aproximadamente 25,9% das buscas dos internautas brasileiros pelo
tema “político”, responde também por 19,9% das buscas
no Google por “partido político” e 16,5% das consultas buscando “empresas
privadas”. Isso nos indica também
que, para uma grande parte dos internautas existe associação entre corrupção,
políticos e partidos; contudo,
apenas um grupo inferior quantitativamente
a este também associa
cognitivamente corrupção a empresas privadas. Este
resultado vai ao mesmo diapasão de estudos empíricos
anteriores que verificaram que por um lado, existe uma ampla descrença nas instituições
no Brasil, e por outro, a descrença,
é maior, em relação a variável “política”, em comparação
com a variável “grandes
empresas”.
Dentro do modelo explicativo de Joseph Alba e Lynn Hasher (1983), sobre esquema cognitivo, para o nosso caso, podemos elencar o
fato de que o esquema “guia a atenção”.
É dizer que, quando um sujeito faz a associação, tal qual verificamos
entre política ou mercado e corrupção,
ele está direcionando sua atenção e isso se dá à revelia de tempo de atenção a outras informações, ou seja, aqui se retroalimenta
esquema cognitivo, principalmente o de “papéis” na
figura dos políticos profissionais. Isso por sua vez afeta de alguma forma os três níveis de orientação política como previsto por Julian Borba (2005): cognitiva, afetiva e
avaliativa. Como os eventos ligados a corrupção tem se tornado mais frequentes, os esquemas têm se tornado mais sólidos, o
que, em culminância com outros fatores, leva ao estado de
“democracia inercial brasileira” tal qual previsto
por Marcello Baquero (2015). Apesar
de se tratar um “projeto piloto”, consideramos a metodologia
proposta satisfatória, sobretudo por possibilitar a um baixo custo
um avanço empírico na compreensão sobre como os indivíduos formam os esquemas
cognitivos e consequentemente, os juízos
de valores para assuntos políticos e sociais. De toda forma, vale lembrar que nossos dados também mostram que tanto o interesse por
políticos, como por partidos políticos, está em situação
de queda. Em parte, esse desinteresse
dos internautas brasileiros pelo universo político, reside no fato de que este teve sua confiança
esvaziada. Em todo caso, ao
que parece, a retomada da confiança é uma das condições fundamentais para se migrar para outro cenário político e social, fora da lógica da
democracia inercial.
......................................................
1. Um exemplo
interessante do peso de um
esquema foi um estudo realizado por Brewer e Treyens (1981), onde em um
ambiente experimental, solicitou-se aos indivíduos que aguardassem em um escritório durante 30 segundos. A
posteriori, quando os indivíduos
foram retirados do ambiente e questionados
sobre o que havia no escritório,
a maioria relatou ter visto
objetos que não constavam
no recinto, como por exemplo, livros.
A presunção aqui é que os
esquemas de “escritório” da maioria
das pessoas que participaram
desse experimento continham
o elemento “livros”.
2. Venicio Lima (2008) pondera
que um escândalo político midiático (EPM) envolve indivíduos e ações que estão alocados dentro de um campo
político e que têm, por conseguinte impacto nas relações dentro deste campo.
Pode-se adelgaçar nesse
plumo que o campo político configura-se como o campo
da ação e da integração que
está relacionada por sua vez a aquisição
e exercício do poder político através
do uso de uma gama de poderes, dentre
eles o destaque recai sobre o simbólico. Isso diz que por um lado, um EPM envolve sempre a disputa e o acesso a capitais, por outro, a mídia tomou para si o esquadro da arena
decisiva ao lidar com os elementos que compõem as reputações políticas, que podem
servir para destruir essa imagem,
nesse diapasão o EPM e sua repercussão passa a ser também parte constitutiva
do EPM. Muitas das mais
importantes crises políticas no mundo, desde a metade
do século passado, tiveram como origem algum EPM.
3. Motores de busca se tornaram
ferramentas indispensáveis
para se chegar a um número crescente de informações acerca
de domínios sociais,
políticos, econômicos e culturais
distribuídos na web. A maior parte do trabalho dos
motores de busca pode ser determinada por algoritmos de busca, contudo, a decisão do que
procurar e como procurar, é algo que está ancorado na ponta humana do processo, ou seja,
no internauta. Considerando a enorme quantidade de informação disponível através da maioria das consultas
de pesquisa, as questões de como os usuários conseguem orienta-se e
recuperar informações relevantes com
essas ferramentas tem se tornado cada vez mais
importante. Nesse sentido o processamento
de informação e a teoria da
decisão sugerem que em situações de decisão complexa
como a recuperação de informação
na web, as pessoas tendem a favorecer estratégias de
decisão simplificadas, ou seja, recorrem a esquemas. Isso quer dizer
que eles não processam toda
a informação disponível sistematicamente, mas, cria uma ligação heurística a fim de lidar com
a quantidade de informação disponível. Entretanto, isso pode
levar a resultados ineficazes (ou
inúteis) (With, Böcking, Karnowski & Von
Pape, 2007).
4. O Bolsa Família integra o
Plano Brasil Sem Miséria,
que tem como foco de atuação
os milhões de brasileiros com
renda familiar per capita inferior a 77 reais mensais e está baseado na garantia
de renda, inclusão produtiva
e no acesso aos serviços públicos. O programa tem
três eixos principais, primeiro, a transferência de renda promove o alívio imediato da pobreza. Além disso, as condicionalidades reforçam o acesso a direitos sociais básicos nas áreas de educação, saúde e assistência social. Por fim, as ações e programas
complementares objetivam o desenvolvimento
das famílias, de modo que os beneficiários
consigam superar a situação
de vulnerabilidade. Todos os meses, o governo federal deposita uma quantia para as famílias que fazem parte do programa. O valor repassado
depende do tamanho da família,
da idade dos seus membros e da sua renda (Moraes
& Santos, 2014b).
5. Diferentes das buscas simples, aonde
o termo é considerado apenas em sua grafia idêntica, a frequências Beta (identificam a catalogam a busca como relativa a um
tópico, não importando a grafia,
o idioma. Isso é feito
considerando o padrão de buscar feito
pelo individuo, de um determinado IP,
em um período especifico. Isso
permite que se tenha uma noção muito mais
certeira, sobre as faixas
de interesse e seus
significados (Moraes & Santos, 2013, 2015).
6. Ex-político e advogado brasileiro, José Dirceu foi deputado federal por São Paulo e
ministro-chefe da Casa Civil. Por sua
atuação nos governos Lula e
Dilma (2003-2016), Dirceu é acusado de enriquecimento ilícito, tráfico de influência,
tendo sido condenado em crimes
relativos ao escândalo do mensalão.
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