Austral Comunicación

ISSN (e) 2313-9137 ISSN (I) 2313-9129
Volumen 7, número 1- Junio de 2018

Um olho no peixe, outro no gato: associação cognitiva dos internautas brasileiros entre corrupção, políticos, partidos e empresas privadas (2004 – 2016)

Thiago Perez Bernardes de Moraes

thiagomoraessp@hotmail.com

Centro Universitário Campos de Andrade, Curitiba.

 

Recibido: 6 de octubre de 2016.

Aceptado: 5 de septiembre de 2017.

DOI: https://doi.org/10.26422/aucom.2018.0701.per



Resumo

A corrupção é um fenômeno social que em regra favorece alguns em revelia de outros. O fato da cultura política ser tanto “causa” como “consequência” da corrupção é fundamental para o objetivo deste trabalho que é identificar quais são os fatores que os internautas brasileiros associam cognitivamente como componentes da corrupção. Dito de outra forma, propomos mensurar como o internauta percebe e associa simbolicamente a corrupção e as instituições. Para tanto, desenhamos um quase experimento natural no que consideramos dados do Google Trends sobre o interesse dos brasileiros em relação à corrupção, ao mundo político e às empresas privadas. Nossos resultados mostram que: (I) o interesse dos internautas tanto por políticos, partidos políticos e grandes empresas é, significativamente, influenciado pela variável independente busca no Google sobre corrupção. Contudo, a associação é mais forte em relação aos políticos e partidos, e em menor medida para com empresas privadas. (II) Existe uma tendência consistente de queda de interesse dos internautas (no universo on-line) em relação aos temas relacionados ao “mundo político”, nesse interim, julgamos que existe a possibilidade de que isso seja um epifenômeno do crescimento da desconfiança e da apatia política, ambas, tendências verificadas no Brasil.

Palavras chave: corrupção, esquema cognitivo, internet, Google, Brasil.

Keeping one eye on the fish and another on the cat: Brazilian internet users and the cognitive association between corruption, political parties, and private companies (2004-2016)

Abstract

Corruption is a social phenomenon that generally favors some people over others. Political culture being both the “cause” and “consequence” of corruption, the goal of this article is to identify what factors Brazilian internet users cognitively associate with components of corruption. In other words, we seek to measure how users perceive and symbolically associate corruption and institutions. We designed a quasi-experiment using data from Google Trends to measure interest in corruption, the political sphere, and private companies. Our results demonstrate that: (I) user interest in politicians, political parties, and large companies are, significantly, influenced by interest in the independent variable of Google searches for corruption, although the association is stronger in relation to politicians and parties, and weaker when it comes to private companies; (II) there’s a constant trend, among internet users, towards decreased interest in the “political world,” which we believe could be a secondary effect of growing distrust and political apathy, both observed in Brazil.

Keywords: corruption, cognitive scheme, Internet, Google, Brasil.

Un ojo en el pescado y otro en el gato: los usuarios brasileños de internet y la asociación cognitiva entre la corrupción, los políticos, partidos y empresas privadas (2004-2016)

Resumen

La corrupción es un fenómeno social que en la regla favorece a algunos en los defectos de otras personas. El hecho de que la cultura política sea tanto "causa" como "consecuencia" de la corrupción es fundamental para el objetivo de este trabajo que es identificar qué factores los internautas brasileños asocian cognitivamente como componentes de la corrupción. Dicho de otro modo, medimos cómo el usuario percibe y asocia simbólicamente la corrupción y las instituciones. Para eso, dibujamos un cuasi-experimento natural en el que consideramos datos de Google Trends sobre el interés de los brasileños con respecto a la corrupción, el mundo político y las empresas privadas. Nuestros resultados muestran que: (I) el interés de los internautas por los políticos, partidos políticos y las grandes empresas es, significativamente, influenciado por el interés de la variable independiente de lo registrado en Google. Sin embargo, la asociación es más fuerte en relación con los partidos y los políticos y en menor medida a las empresas privadas. (II) Existe una tendencia constante de caída de interés de usuarios de Internet (en el universo on-line) respecto de cuestiones relacionadas con el "mundo político". Esto nos hace creer que hay una posibilidad de que sea un epifenómeno de la creciente desconfianza y la apatía política, ambas tendencias observables en Brasil.

Palabras clave: corrupción, esquema cognitivo, internet, Google, Brasil.

Introdução

Marcelo Baquero (2015) ensina que em uma ótica funcional, a corrupção atinge as relações sociais, políticas e econômicas de uma sociedade, agindo como um substituto da participação política legitima. O sigilo é o que permite o desvio arbitrário do monopólio da violência para o uso do poder com foco nos fins privados. Do ponto de vista ético, as elites políticas criam seu código de conduta baseado em uma ideologia que promove a “lealdade” e a “solidariedade” entre seus pares em outras palavras, um capital social negativo. Tal capital, por sua vez, mina parte das fundações e alicerces de institucionalização de uma democracia substantiva. Neste tipótono os corolários da corrupção plasmam-se em quatro vias: (I) existem sempre benefícios para membros de uma rede; (II), além disso, tem-se o estabelecimento de uma distância crescente entre as elites e os cidadãos; (III) verifica-se também o aumento da inclinação individual em todos os níveis do sistema e (IV) por fim, o estabelecimento de um pacto de silêncio compartilhado por todos os participantes, que outorga lastro para preservação do sistema. A corrupção, quando institucionalizada, fornece a base para o comportamento oportunista e a ocorrência da corrupção, enquanto o contrário, a retomada da confiança, é uma via para se combater o comportamento do tipo “free-rider”.

Nosso trabalho segue um objetivo convergente ao de José Álvaro Moisés (2010): identificar quanto a variável corrupção influencia a cultura política. Nesse sentido, a dúvida que guia este trabalho é: os internautas brasileiros associam (enquanto esquema cognitivo) de forma mais assertiva a corrupção aos partidos políticos, aos políticos profissionais ou às empresas privadas? Considerando que de um lado, a cultura política é mais personalista, focada nos políticos individuais, nossas hipóteses são:

H1- Provavelmente o fator corrupção se associa cognitivamente de forma mais inteligível aos “políticos individuais” do que aos partidos políticos e às empresas privadas.

H2- Considerando o cenário de democracia inercial visto no Brasil, é provável que a apatia política (na forma de menor interesse registrado) também se manifeste no universo on-line.

Vale destacar que de alguma forma, como sugerem Thiago Moraes e Doacir Quadros (2017), até o impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff em parte foi um epifenômeno da insatisfação política que fortemente se plasmou no universo on-line (em simbiose com o off-line) brasileiro. Como indagado por Marcello Baquero, Henrique Castro e Sônia Ranincheski (2016), existe hoje entre os brasileiros uma tendência de declínio quanto à confiança nas instituições que está ad hoc aliada com a percepção negativa em relação não aos partidos e aos políticos, mas também, contra a própria democracia existente no Brasil, onde no limite, pode-se classificar a cultura política brasileira como receosa, no sentido de se opor em última instância aos preceitos da democracia liberal. Propomos neste trabalho que tal apatia política reside no fato de que os brasileiros muito associam a corrupção, ou mais precisamente os escândalos de corrupção à figura do político individual (e ao mundo político de forma geral).

Esquemas cognitivos, política e corrupção

Tornou-se predominante a ideia de que a participação política é marcada como dominada por eleitores racionais, ou seja, indivíduos calculadores, não apáticos, bem informados sobre assuntos políticos e com pontos de vista definidos sobre tais pautas e que balizam a decisão do voto por meio de um conjunto complexo de fatores. Dentre tais variáveis destacam-se cálculos de utilidade pessoal tendo em vista o objetivo de maximizar a sua ação; avaliação das plataformas políticas e do desempenho do partido e candidatos em relação às questões políticas consideradas pertinentes. Tal avaliação deriva de afinidades entre o ponto de vista e as propostas dos partidos e candidatos, além de cálculos sobre o modo mais eficaz de agir frente à oferta eleitoral. A importância atribuída a cada fator varia conforme as circunstâncias da arena eleitoral, onde, em cada eleição o eleitor tal qual um consumidor avalia as opções com base no desempenho ou outras características que permitem algum tipo de inferência sobre sua capacidade, e, pontuando cada demanda, realiza sua escolha. Se por um lado, o indivíduo pode ter uma inclinação a perseguir seus objetivos, por outro, evidências empíricas, como pesquisas realizadas desde a década de 1970, que sinalizam que a maioria dos eleitores no Brasil apresenta pouca informação política, pequeno grau de estruturação ideológica e fraca inter-relação lógica entre suas ideias políticas. Dentro do conceito previsto por Bourdieu como “ethos de classe”, os eleitores mais desprovidos de saberes políticos são os que mais precisam recorrer aos esquemas de percepção para produzir opiniões e tomar decisões políticas (Radmann, 2001; Silveira, 2015).

A cognição humana compõe-se por um sofisticado sistema de processamento de informações e o processo mais básico veiculado por ela é a categorização. Esta propensão mental de estabelecer taxonomias nada mais é que a tendência de perceber estímulos como integrantes de grupos ou classes em vez de entidades isoladas e únicas. Os psicólogos sociais usam o termo “esquema” para denotar uma estrutura de cognições bem organizada acerca de alguma entidade social assim como uma pessoa, um grupo, um papel ou uma situação. Geralmente esquemas incluem informações sobre os atributos de uma entidade e sua relação causal com outras. Independentemente de seu conteúdo exato, os esquemas nos possibilitam organizar e rememorar fatos, além de propiciar meios para a execução de inferências que vão além dos fatos imediatamente disponíveis, mas que visam avaliar novas informações. Existem vários esquemas distintos, que incluem desde esquemas de grupo, do eu, de papeis e de acontecimentos. Na vida diária, os indivíduos fazem largo uso de todo este repertório, como se elenca na tabela 1.

Tabela 1. Exemplos de esquemas cognitivos

Fonte: adaptado a partir de Andre Michener, John DeLamater e Daniel Myers (2004).

Os esquemas ajustam a situação e os modos que os indivíduos reagem as tomadas de decisões de várias maneiras: eles influenciam a capacidade de recordar informações que salientam certos tipos de fatos e os tornam fáceis de serem lembrados; ajudam a processar informações de maneira mais rápida; orientam as inferências e os julgamentos acerca das pessoas e dos objetos; permitem reduzir a ambiguidade, fornecendo um modelo de interpretação dos elementos de características ambíguas, em situações por vezes constrangedoras. Uma vez que aplicamos um esquema, nossa futura interação com as pessoas que estão nela torna-se muito mais simples. É dizer que os esquemas afetam principalmente as inferências que realizamos no que concerne os sujeitos e as entidades sociais, ou seja, quando são considerados determinados fatos referentes a algo, mas os outros são ignorados, preenchem-se as lacunas inserindo suposições que sejam coerentes com o nosso esquema relativo ao foco[1] (Michener, DeLamater & Myers, 2004). Vale dizer também que os esquemas são dinâmicos, ou seja, desenvolvem-se e mudam com base em novas informações e experiências, e assim, apoiam-se em uma noção de plasticidade no desenvolvimento; esquemas orientam como interpretamos novas informações e podem ser influências poderosas. Esquemas armazenam informações declarativas (“o quê”) e informações sobre procedimentos (“como”). Joseph Alba e Lynn Hasher (1983) sugeriram quatro vias para explicar como o esquema pode afetar a memória: primeiro, ele guia a atenção para a informação relevante que deve ser codificada; permite também que estímulos específicos sejam codificados como “coadjuvantes”, ou seja, são armazenados sem detalhes; auxilia na interpretação de novas informações ao fornecer o conhecimento prévio; fornece meios para integrar três etapas anteriores em uma única memória e fornece um quadro para a reconstrução da memória quando necessário.

Neste mesmo diapasão, Julian Borba (2005) evoca que a orientação política se distingue em três vias de análise: a orientação cognitiva, ou seja, os fatores que compõem o conhecimento do sistema lítico; a crença nele, nos papéis por ele desempenhados e principalmente por seus titulares, assim como, seus inputs e outputs; e a orientação afetiva que se traduz nos sentimentos em relação ao sistema político, seus papeis, pessoas e padrões de valor e critérios; orientação avaliativa, que demarca o julgamento e as opiniões sobre os objetos políticos que tipicamente envolvem a combinação de padrões de valor e também critérios com informações e sentimentos. Essas orientações seriam avaliadas a partir de dirigentes de classes de objetos políticos, através de sentimentos genéricos, passando por processos administrativos e políticos, resultando em estância final em três diferentes tipos de cultura política: a paroquial, a súdita e a participante. Dentro da lógica proposta por Marcello Baquero (2015) de democracia inercial, o Brasil hoje se adequa mais à cultura política súdita do que a participante.

Em perspectiva histórica, evidencia-se que após a redemocratização da América Latina, muitos escândalos de corrupção (de grande proporção) atingiram o Brasil, como por exemplo, o impeachment de Fernando Collor. Em outros países vizinhos situações parecidas também se fizeram presentes, como o caso Carlos Menem, na Argentina, Alberto Fujimori e Alan García no Peru, José López Portillo e Carlos Salinas de Gortari no México, Abdalá Bucaram no Equador, Rafael Caldera e Carlos Andrés Pérez na Venezuela. Alguns fatores têm sido apontados como propulsores dessa lógica, o primeiro que merece destaque é a dispersão do poder que criou mais oportunidades para que atores públicos transacionem favores a fim de obter benesses privadas. Além disso, as reformas neoliberais ampliaram o poder dos agentes sobre bens como empresas públicas e, as privatizações por sua vez, criaram oportunidades para extração de vantagens. Não obstante, o crescimento de lideranças políticas personalistas e ou carismáticas se sobrepôs aos partidos e até aos interesses dominantes, chegando ao poder através da mobilização de massa pela televisão. Essa nova lógica levou as campanhas eleitorais a exigirem investimentos largos que, por sua vez somente são mobilizáveis pela promessa de favores a financiadores privados. Em todos os casos, existe um aparente estrato de fundo, um cenário forjado pela cultura política que é convergente, por exemplo, tanto com lideranças carismáticas, como também em relação à governos populistas e também pela desvalorização das instituições como partidos e parlamentos (Moises, 2010). Nesta pesquisa, sugerimos que entre os brasileiros existe um esquema, ou seja, uma noção de que a corrupção está veiculada quase sempre a políticos profissionais em nível individual, partidos políticos e empresas privadas (que seriam os “demandantes” de políticas e favorecimentos).

Entre brasileiros esse esquema cognitivo pode ter alçado meios para se fortalecer, se levarmos em conta que, como advertem Thiago Moraes e Doacir Quadros (2017), um levantamento ligeiro nas duas últimas décadas mostra uma lista extensa de escândalos políticos que foram divulgados pela imprensa brasileira. Pode-se elencar que desde o caso Celso Daniel (início da década de 2000) até a Operação Lava Jato (deflagrada em 2014), estima-se que ter havido uma média de meia centena de escândalos políticos altamente midiatizados[2]. Uma das explicações mais plausíveis para a alta incidência na divulgação de escândalos reside no eixo de que estes são amplamente noticiáveis em democracias contemporâneas levando em conta que estes regimes asseguram aos meios de comunicação liberdade investigativa e profissional. O efeito mais direto de um escândalo é a capacidade de esvaziar a reputação e as relações de confiança dos envolvidos, bem como desapropria os políticos e aspirantes dos bens simbólicos necessários para conseguir o apoio da opinião pública. Essa relação tornou-se ainda mais trucada com a ascensão da internet que trouxe consigo aumento no volume de informações disponíveis; difusão de informações de modo mais rápido (real time); atualização continua do fluxo de informações; informação de maneira fácil, irrestrita e a um custo baixo. Nesse cenário de ampla informação e de índices amplos de divulgação de escândalos políticos, computa-se que existam as bases para uma desconfiança generalizada dos brasileiros frente aos agentes políticos e a seus governantes.

Como bem translucidam Marcello Baquero, Henrique Castro e Sônia Ranincheski (2016), se as pessoas não acreditam nos partidos políticos (e também nos próprios políticos), abre-se um campo onde normas e leis funcionam precariamente, onde sumariamente se estabelecem as bases de desinstitucionalização da representação política. Pode haver o fortalecimento de práticas atrasadas de representação política e, como consequência, tem-se uma assimetria entre o que se realiza na esfera política e o que de fato a sociedade demanda. É dizer que a cidadania não parece ter esperanças na atuação política, visto que, os partidos políticos perdem ainda mais sua capacidade de mediar interesses. Isso considerando a persistência de um padrão de democracia inercial e de cultura política hibrida em que a desconfiança nas instituições é um forte estigma, principalmente na última década. Em alguma medida a diminuição na confiança nas instituições somada à percepção negativa em relação à democracia existente no Brasil nos permite dizer que os brasileiros possuem uma cultura política com características pouco favoráveis ao fortalecimento de uma democracia liberal. Esta análise corrobora a existência de uma democracia inercial brasileira. A seguir plotamos um gráfico que compara os valores de 2007 e 2014 referentes à desconfiança dos brasileiros nas principais instituições (figura 1).

Figura 1.Desconfiança em instituições 2007–2014.Fonte: adaptado a partir de Marcello Baquero, Henrique Castro e Sônia Ranincheski (2016).

O resultado que merece destaque é o de que partidos políticos, seguido de congresso nacional, tanto em 2007, como em 2014, pontuou mais do que todas as demais variáveis. É notável também que, em todos os casos, com exceção da variável “grandes empresas”, houve no geral aumento da desconfiança dos brasileiros. Igrejas, aparentemente, são as instituições que gozam de maior credibilidade. Em tese, é visível que existe, sobretudo, uma desconfiança em relação às instituições políticas. Nosso argumento nesta pesquisa é de que, em parte, isso se deve, pelo fato dos brasileiros terem, em seus esquemas cognitivos sobre corrupção, uma maior associação cognitiva para com o “mundo” político.

Pesquisa social e motores de busca reversa

Tradicionalmente os dados sociais e culturais são recolhidos por meio de estudos de campo, painéis de usuários, grupos focais, entrevistas, questionários e inquéritos pequenos, centrados em um único indivíduo, em um único momento, ou pode também ser feito de forma gigantesca, compreendendo milhões de pessoas e em perspectiva longitudinal. Nesse ínterim, vale dizer que cada vez mais as atividades sociais e culturais têm atravessado e ou se realizam na web, e quando ocorrem deixam ad hoc “rastros” que são por assim dizer dados, fontes valiosas para a pesquisa social (Kozinets, 2002). A internet oferece aos pesquisadores sociais o acesso incomparável para o entendimento de minucias da vida cotidiana, por exemplo, dados de websites, fóruns, redes sociais, continuam sendo uma importante fonte de dados para medições sociais. É possível obter de forma muito discreta muitos dados on-line sobre aspectos efêmeros da vida cotidiana, que antes não eram passiveis de investigação. A pesquisa de internet discreta pode reduzir os encargos de pesquisa para os pesquisadores sociais (Hine, 2011).

É possível dizer que não existe uma única área que se destaque como propulsora do uso de dados de motores de busca reversa em pesquisas sociais. Em um cunho interdisciplinar, esse tipo de ferramenta e seu uso vêm se amadurecendo no seio de uma gama de ciências sociais e computacionais correlatas. Michael Thewlwall (2009), da Universidade de Wolverhamptom, define que o universo infinito da big data pode ser útil para que os cientistas sociais mensurem aspectos da web, compreendendo os comportamentos que estejam total ou parcialmente on-line, considerando que este universo é tanto “causa” como “consequência” e ou reflexo do universo off-line.

No Brasil, o Google Trends[3] foi utilizado em alguns estudos sociais para se responder perguntas sobre a relação entre cognição política, acontecimentos sociais e manifestações políticas e eleitorais. Um dos primeiros estudos que aplicou a ferramenta no Brasil (Moraes & Santos, 2014a), teve como objetivo medir a intensidade e os fatores veiculados a eclosão (e dispersão) das “Jornadas de Junho” em 2013. O Estudo denotou que, inicialmente, os protestos incharam não por causa da causa dos “0,20 centavos de real” da tarifa de ônibus, mas sim, por conta da indignação moral gerada pela violência desproporcional perpetrada contra os manifestantes em São Paulo na Avenida Paulista. Em um determinado momento, a pauta de reinvindicações se tornou tão ampla e confusa que se converteu em trivial, supérflua para os internautas. Nesse ponto o que se tornou interessante mesmo, enquanto acontecimento social, foram os protestos. A ampla midiatização gerou um ciclo de retroalimentação, não por causa de pautas sociais, mas sim, pela “necessidade” individual de fazer parte de “grandes eventos sociais”.

Em outro estudo, Thiago Moraes e Romer Santos (2014b) mensuraram o efeito que o interesse dos internautas pelo programa Bolsa Família[4], poderia ter, do ponto de vista eleitoral. Comparou-se nesse sentido a distribuição de interesse pelo programa (ou seja, de pessoas que buscaram informações no Google, próximas e durante períodos eleitorais, sobre o programa Bolsa Família) e a distribuição de votos nos candidatos a presidente do PT e do PSDB nas eleições de 2006, 2010 e 2014. O resultado deixou claro que, o Bolsa Família funcionou para uma considerável fatia dos eleitores como um atalho cognitivo para a tomada de decisão eleitoral, um efeito que tendia a adicionar votos ao candidato do PT e retirar votos do candidato do PSDB. Diferente de outras abordagens, que compararam, por exemplo, a distribuição direta dos benefícios, aqui se contabiliza o “efeito cognitivo”, enquanto variável independente.

Ainda no Brasil, utilizou-se o Google Trends para medir o efeito que a comoção, gerada pela morte do candidato Eduardo Campos, exerceu possivelmente sobre os votos de Marina Silva. Os resultados sinalizam que mais de 2 milhões de votos podem ser atribuídos como “causa” do efeito comoção entre os brasileiros (Moraes & Moraes, 2016). Convergente com o objetivo deste trabalho, Thiago Moraes, Romer Santos e Suelen Moraes (2016), estudaram o efeito que o evento de “Mensalãogerou no interesse dos internautas nos maiores jornais do país. O resultado mostra que a questão, por ser complexa, não se sustenta em uma generalização simples; nesse caso, não houve relação cognitiva entre o interesse pelo tema mensalão e a média total dos jornais. Contudo, encontrou-se uma relação específica entre o interesse pelo Mensalão, e o jornal O Estado de São Paulo, onde 15% das demandas pelo jornal podem ser explicadas por esse fator independente. Atribui-se, nesse caso, que o que reforçou essa associação cognitiva fora o posicionamento especifico deste jornal, que adotou, em comparação com os demais, um posicionamento mais hostil em relação aos atores envolvidos no evento. Tal hostilidade pode ser talvez justificada como uma estratégia, ou seja, uma forma de adquirir mais visibilidade explorando de forma mais “intensa” escândalos políticos.

Metodologia

Nesse trabalho fora esquadrinhado um desenho quase experimento natural de pesquisa visando mensurar os esquemas cognitivos dos brasileiros relativos à corrupção e suas associações. Utilizamos como principal fonte de dados às frequências geradas com o Google Trends relativas ao uso de internautas brasileiros do motor de busca do Google. O Google Trends é uma ferramenta gratuita que funciona como um motor de busca reversa oferecendo dados sobre a distribuição no tempo e no espaço de interesse registrado por internautas, de praticamente todos os países, de 2004 até o presente.

A ferramenta gera dados padronizados de 0 (frequência mínima, baixa aderência entre os internautas) e 100 (frequência altíssima de interesse entre internautas) (Moraes & Santos, 2013, 2015). Nesse estudo, consideramos como recorte espacial o Brasil, considerando todas as unidades federativas e o distrito federal e como escopo temporal, destacou-se o período de 01/12/2003 até 01/06/2016, com 612 semanas em total de monitoramento de dados.

Quanto às diretrizes das frequências, escolhemos utilizar apenas as do tipo Beta[5], ou seja, que não são termos específicos mais sim tópicos. Isso amplia consideravelmente o refinamento quanto à precisão dos dados. Os tópicos buscados nesse sentido foram:

(I) Corrupção (registrado no Google como “tópico”);

(II) Político (registrado no Google como “ocupação”);

(III) Partido político (registrado no Google como “tipo de organização”);

(IV) Empresa privada (registrado no Google como “tópico”).

Após coletados os dados, organizamos as frequências de dados e estudamos as estatísticas descritivas e também buscamos associações estatísticas utilizando em todos os casos o intervalo de confiança de 95%. Em nosso modelo de regressão linear comparativo, considerou-se como variável dependente o interesse dos internautas brasileiros pelos temas “empresa privada”, “partido político” e “político” e como variável independente elencou-se as buscas dos internautas brasileiros pelo tema “corrupção”.

Resultados

A seguir no Gráfico 2 e na Tabela 2, plotamos dados referentes a distribuição temporal de buscas dos internautas brasileiros no Google pelos temas corrupção, político, partido político e empresa privada (figura 2, tabela 2).

Figura 2. Frequências temporais de interesse (2004–2016).Fonte: o autor.

Tabela 2Estatística descritiva

Fonte: o autor.

Como destacado nos procedimentos metodológicos, a frequência do Google Trends classifica os valores de 0 pontos (valor baixíssimo) até 100 pontos (valor mais elevado). Visto a tabela acima, podemos dizer que alguns dos resultados merecem destaque especial:

(I) O interesse brasileiro por “partido político” tem um ciclo anual (sazonal): aumenta até o dia 1º de julho e diminui até o começo de dezembro, num movimento regular. Da mesma forma, evidencia-se nesta categoria um ciclo sazonal praticamente idêntico. Em parte, consiste com o esperado dos ciclos eleitorais, onde a campanha, e ou a pré-campanha, inicia por volta de julho e a eleição conclui-se em outubro / novembro e, o reflexo disso na amostra se manifesta no comportamento do internauta.

(II) Ainda no que diz respeito a variável partido político, cada elevação em 10 pontos na frequência de interesse dos internautas brasileiros por política, faz elevar aproximadamente 5,52 na frequência partidos políticos. Isso fornece lastro ao argumento de que existe um esquema cognitivo em que o político, em parte, é associado à figura do partido político, mesmo que para ele, não seja muito claro as atribuições deste (ou do outro).

(III) O padrão de interesse do internauta brasileiro pelo tópico “corrupção” varia de 4 pontos (menor pontuação do período, verificada em dezembro de 2008 e 2010) a 72 (maior pontuação evidenciada no período, em julho de 2005), com a maior parte dos valores sendo os mais baixos, com uma mediana de 13 pontos.

(IV) Existem valores de exceção para o tema corrupção, sendo eles: (a) pico de 57 pontos (maio de 2005) e de 72 pontos (julho de 2005). Tais períodos coincidem com a ampla repercussão da mídia (Veja, Jornal Nacional) do escândalo de corrupção que envolveu os Correios, (b) pico de 38 (setembro de 2014) e (c) 62 (em fevereiro de 2016).

(V) a variável “político” varia de 7 pontos, em dezembro de 2008 a 100 em agosto de 2006, com a maior parte dos valores se mantendo em uma frequência baixa. A mediana é 19.

(VI) A variável “partido político” varia de 3 pontos (dezembro de 2008, 2009, e novembro de 2010 e 8 pontos para os outros) a 55 pontos, pontuação mais elevada observada no período em agosto de 2006, período da eleição presidencial. Contudo, no geral, a maior parte dos valores podem ser definidos como “baixo interesse”, com uma mediana de apenas 8 pontos. Dito de outra forma, os dados sinalizam que o tema “partido político” é pouco presente no universo de buscas realizadas no Google por internautas brasileiros.

(VII) Apesar dos repetidos escândalos políticos da última década, e da intensa cobertura midiática, o que se plasmou no nosso resultado, quanto à tendência de evolução do interesse em corrupção, foi uma diminuição linear 0,9% do interesse em todo período observado. Isso quer dizer que o brasileiro tem se tornado um pouco menos interessado no tema corrupção ao longo da última década, pelo menos no universo on-line.

(VIII) A tendência de queda de interesse temporal é ainda mais pronunciada quando consideramos a variável “político” (7,2% de queda) e principalmente o interesse por “partidos políticos” (26,5% de decréscimo). Esses resultados são bastante contraditórios frente aos dados do TSE que mostram uma elevação no número de filiados a partidos políticos na última década (o que seria um suposto sinal de maior participação política), impulsionado, sobretudo pelas eleições municipais. É dizer que, pode até haver mais candidatos; contudo, não existe evidência de que os indivíduos estejam mais informados politicamente. Dito de outra forma, os candidatos estão se tornando maisdesinteressantes” para os internautas brasileiros (tabela 3).

Tabela 3.  Estatísticas descritivas e lista de razões dos casos de anomalias

Analisando a lista de anomalias, notamos o seguinte:

(I) O fluxo do dia 01/07/2005 aparentemente se relaciona a umPacote” composto de uma série de medidas adotadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para combater a corrupção em órgãos públicos (pouco tempo depois da eclosão do escândalo dos Correios). O conjunto de medidas integrou o projeto de lei que estabeleceu o Sistema de Corregedoria do Poder Executivo Federal (que basicamente cria uma corregedoria para cada ministério).

(II) A elevação do interesse do internauta pelo tema “político” registrado no começo do mês sete, em 2014, parece guardar relação com a notícia de que 6 dentre 13 mortes de políticos que ocorreram na baixada do Rio de Janeiro estavam diretamente relacionados a milícias.

(III) No mês oito em 2014 houve uma elevação no tema “político” que coincidente com a trágica morte do candidato a presidente Eduardo Campos, em um acidente de avião. O evento, como registrado na literatura (Moraes & Moraes, 2015), levantou larga comoção popular, e, provavelmente, deu um impulso eleitoral na capacidade que Marina Silva teve naquela eleição. A onda de crimes foi um mês antes das eleições municipais.

(IV) O aumento do interesse dos internautas brasileiros relativo à corrupção na primeira semana do mês sete de 2015 parece se relacionar com a 15º fase da Operação Lava Jato (Conexão Mônaco), onde a Policia Federal indiciou o ex-diretor da Petrobras (Jorge Zelada) e mais cinco pessoas por corrupção. Destaca-se que o delator Milton Pascowitch (empresário) testemunhou que José Dirceu[6] recebeu propina por contratos na Petrobras. Essa propina, de acordo com o depoimento, era para que a Engevix, uma das empresas investigadas pela Polícia Federal, mantivesse contratos com a Petrobras.

(V) O aumento de buscas realizadas no Google pelo tema corrupção verificado na primeira semana do mês oito de 2015, parece se relacionar com a 17º fase da Operação Lava Jato (Pixuleco), onde se cumpriram 40 mandatos judiciais, com o resultado da prisão para José Dirceu e Luiz Eduardo de Oliveira e Silva (seu irmão).

A seguir, para aferir o efeito que a variável corrupção exerce sob cada uma das variáveis dependentes elencadas, traçamos três modelos comparativos de regressão linear conforme elencamos a seguir. Considerou-se como variável dependente o interesse registrado pelos temas “político”, “partido político” e “empresas privadas”; enquanto como variável independente se levou em conta apenas a distribuição temporal de buscas no Google pelo tópico corrupção (tabela 4).

Tabela 4.Regressões lineares

*Em todos os casos a variável independente foiCorrupção”.Fonte: o autor.

Em todos os casos, pelo menos para os três pontos dependentes elencados (políticos, partidos políticos e empresas privadas), o resultado permite endossar o argumento de que a corrupção hipertrofia a desconfiança nas instituições. Como diferencial, nossos dados mostram como isso ocorre, nesse caso, o esquema cognitivo dos brasileiros se correlaciona mais forte, em ordem respectiva referente aos políticos (onde a variável independente explique 25,9% da distribuição temporal de buscas por corrupção), partidos políticos (19,9%) e em menor proporção quanto às empresas privadas (16,1%). Um ponto que foge do escopo deste trabalho é a premissa de que, provavelmente, existe uma simbiose entre nossos resultados e o enquadramento midiático. É dizer que possivelmente, as buscas efetuadas no Google tal como aferimos são um epifenômeno do modo que o enquadramento midiático foi composto e como este influenciou naconstrução social da realidade”, ou como aqui propomos, na composição dos esquemas cognitivos (figura 3).

Figura 3. Dispersão entre o “esquema cognitivo” corrupção e as variáveis dependentes político, partido político e empresa privada.Fonte: o autor.

De toda forma, todos os modelos mostraram larga validade, o que nos permite dizer que existe entre os brasileiros um amplo esquema cognitivo relativo ao fator corrupção onde se atribui como “causa” dos atos ilícitos os políticos, os partidos e as empresas privadas (respectivamente). Um dos passos, por assim dizer, para recuperar, a confiança dos brasileiros nas instituições, reside no desafio de modificar os esquemas cognitivos dos indivíduos, desvinculando a ideia de que, tais instituições elencadas estejam sempre ad aeternum comprometidas pela corrupção. Evidente que, pelo menos duas demandas, têm de ser cumpridas para reverter esse quadro; por um lado, que a corrupção em tais níveis se torne mais baixa (o que demanda o aperfeiçoamento de instrumentos de accountability vertical, além de mudanças culturais), por outro, que (como consequência deste passo) os aparelhos ideológicos passem a midiatizar menos ou de outra forma a corrupção. Nossos dados corroboram a premissa verificada outrora nas pesquisas de opinião, de que, tanto a arena política, como as empresas privadas fazem parte do horizonte de desconfiança do Brasileiro, porém, o primeiro, muito mais do que o segundo. Filgueira (2017) dentro dessa lógica alvitra que a responsabilidade política dependente de um sistema de construção de verdade que se relaciona à lógica do controle da corrupção. Claro que aquilo que é desnudado ou transparecido pode se tornar uma denúncia moral, ao contrário de responsabilidade no juízo da esfera pública. É dizer que o denuncismo moral anula qualquer possibilidade de debate público sobre a corrupção, visto que a obviedade de uma realidade comum passa a compor o cenário junto da histeria ética. Aqui, a desocultação, de alguma forma, colabora para uma re (ocultação), ou seja, considerando que a corrupção é um problema político em primeiro plano, a centralização compreensiva neste plano, em revelia de outro, pode ocultar seu real alcance.

Considerando que nossos resultados mostram que os internautas brasileiros associam mais fortemente a corrupção como relacionada aos políticos do que relacionada aos empresários, podemos supor que dentro do período elencado a consolidação do político, como imagem mais associada à corrupção, fez se tornar um pouco mais fraca a percepção de que as empresas privadas (os demandantes da corrupção política), o que reforça o argumento de re (ocultação). Todavia, é interessante notar que nos três casos, políticos, partidos e empresas, houve uma associação cognitiva dos internautas brasileiros para com o fator de corrupção. O que denota de alguma forma que a corrupção no Brasil está se transformando em “escândalo” e de alguma forma, se tornando mais enraizada do ponto de visto cognitivo no inconsciente coletivo do internauta brasileiro, algo plasmado em nossos resultados.

Fernando Filgueiras (2017) lembra que o escândalo político pode ser dividido em seis passos: o primeiro deles, a publicação de um evento “chocante” para o escrutínio público. Segundo, existe a tomada de posição por parte da mídia como importante agente propagador do escândalo. Terceiro, ocorre à defesa dos envolvidos, geralmente, buscando desmentir as acusações. Quarto, o escândalo atinge um platô, que é marcado por intensa dramatização por parte das posições políticas contrapostas. O quinto passo é a execução, momento em que este fato público se transmuta em questão de ordem jurídica. Por fim (sexto passo), existe a rotulação, ou seja, o encerramento do caso. O escândalo se desenvolve em via temporal, e como resultado prático, tem-se que a corrupção é re (ocultada) no campo político e afastada gradualmente da verdade factual. Essa lógica é marcada por umesquecimento coletivo”, onde ao se processar simbolicamente a corrupção como parte do mundo político existe a premissa de que ela pode ser re (construída) como “normal” (Filgueira, 2017).

É interessante notar que nossos resultados mostram que as elevações temporais do interesse do internauta no tema corrupção guardam relações com períodos em que ocorreramepisódiosmidiaticamente notáveis acerca da corrupção. Isso mostra que tal simbiose entre escândalo e interesse do internauta é regida por uma lógica “episódica” onde a corrupção é acompanhada como uma “novela” marcada por “altos” e “baixos”. É interessante notar também que o interesse por corrupção, em comparação com as demais faixas de interesse registradas sem nossa análise, deixou de ser coadjuvante para se tornar protagonista. Ou seja, o internauta brasileiro nos últimos anos vem buscando se informar mais sobre corrupção, do que sobre partidos políticos, políticos e empresas privadas.

João Álvaro José (2010) propõe que a percepção de corrupção no Brasil e na América Latina associa-se com o desenvolvimento, o desempenho das instituições e também com a cultura política. Até o presente os dados empíricos confirmam que, a aceitação da corrupção afeta a qualidade da democracia, diminui a adesão ao regime, propulsiona a confiança interpessoal e inibe tendências de participação política. O impacto aqui é duplo, ou seja, afeta tanto a legitimidade do Estado democrático, como o princípio segundo o qualninguém está acima da democracia”. Neste quadrante fraudasse o princípio da igualdade política, pois os protagonistas podem manter o poder e benefícios desproporcionais; distorcem-se as dimensões republicanas da democracia, pois se retira o poder das disputas abertas e levando as decisões relativas às políticas públicas para o nicho dos acordos feitos em bastidores (que tendem a favorecer interesses espúrios). Em todo caso, corrupção no Brasil tem colaborado de forma direta para o crescimento da desconfiança de forma generalizada. Os resultados aqui obtidos corroboram em alguma medida que existe uma associação cognitiva coletiva do tema corrupção, para com os atores políticos, empresas privadas e partidos políticos.

Considerações finais

Vale por fim destacar que em primeiro momento verificamos que houve significativa relação entre o “esquema cognitivo” corrupção e as faixas temporais do interesse dos internautas brasileiros pelos temas político (em nível individual), partido político e empresas privadas. Isso sinaliza que, uma parcela significativa de internautas brasileiros associa de forma cognitiva a corrupção a estas variáveis (política e mercado). Em segundo momento, aferiu-se que, contudo, a associação é muito mais forte para o caso de políticos (em nível individual) do que empresas privadas, o que era esperado, se tratando de uma cultura política personalista. A variável independente “percepção de corrupção” responde a aproximadamente 25,9% das buscas dos internautas brasileiros pelo tema “político”, responde também por 19,9% das buscas no Google por “partido político” e 16,5% das consultas buscando “empresas privadas”. Isso nos indica também que, para uma grande parte dos internautas existe associação entre corrupção, políticos e partidos; contudo, apenas um grupo inferior quantitativamente a este também associa cognitivamente corrupção a empresas privadas. Este resultado vai ao mesmo diapasão de estudos empíricos anteriores que verificaram que por um lado, existe uma ampla descrença nas instituições no Brasil, e por outro, a descrença, é maior, em relação a variável “política”, em comparação com a variável “grandes empresas”.

Dentro do modelo explicativo de Joseph Alba e Lynn Hasher (1983), sobre esquema cognitivo, para o nosso caso, podemos elencar o fato de que o esquema “guia a atenção”. É dizer que, quando um sujeito faz a associação, tal qual verificamos entre política ou mercado e corrupção, ele está direcionando sua atenção e isso se à revelia de tempo de atenção a outras informações, ou seja, aqui se retroalimenta esquema cognitivo, principalmente o de “papéis” na figura dos políticos profissionais. Isso por sua vez afeta de alguma forma os três níveis de orientação política como previsto por Julian Borba (2005): cognitiva, afetiva e avaliativa. Como os eventos ligados a corrupção tem se tornado mais frequentes, os esquemas têm se tornado mais sólidos, o que, em culminância com outros fatores, leva ao estado de “democracia inercial brasileira” tal qual previsto por Marcello Baquero (2015). Apesar de se tratar umprojeto piloto”, consideramos a metodologia proposta satisfatória, sobretudo por possibilitar a um baixo custo um avanço empírico na compreensão sobre como os indivíduos formam os esquemas cognitivos e consequentemente, os juízos de valores para assuntos políticos e sociais. De toda forma, vale lembrar que nossos dados também mostram que tanto o interesse por políticos, como por partidos políticos, está em situação de queda. Em parte, esse desinteresse dos internautas brasileiros pelo universo político, reside no fato de que este teve sua confiança esvaziada. Em todo caso, ao que parece, a retomada da confiança é uma das condições fundamentais para se migrar para outro cenário político e social, fora da lógica da democracia inercial.

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1. Um exemplo interessante do peso de um esquema foi um estudo realizado por Brewer e Treyens (1981), onde em um ambiente experimental, solicitou-se aos indivíduos que aguardassem em um escritório durante 30 segundos. A posteriori, quando os indivíduos foram retirados do ambiente e questionados sobre o que havia no escritório, a maioria relatou ter visto objetos que não constavam no recinto, como por exemplo, livros. A presunção aqui é que os esquemas de “escritório” da maioria das pessoas que participaram desse experimento continham o elemento “livros”.

2. Venicio Lima (2008) pondera que um escândalo político midiático (EPM) envolve indivíduos e ações que estão alocados dentro de um campo político e que têm, por conseguinte impacto nas relações dentro deste campo. Pode-se adelgaçar nesse plumo que o campo político configura-se como o campo da ação e da integração que está relacionada por sua vez a aquisição e exercício do poder político através do uso de uma gama de poderes, dentre eles o destaque recai sobre o simbólico. Isso diz que por um lado, um EPM envolve sempre a disputa e o acesso a capitais, por outro, a mídia tomou para si o esquadro da arena decisiva ao lidar com os elementos que compõem as reputações políticas, que podem servir para destruir essa imagem, nesse diapasão o EPM e sua repercussão passa a ser também parte constitutiva do EPM. Muitas das mais importantes crises políticas no mundo, desde a metade do século passado, tiveram como origem algum EPM.

3. Motores de busca se tornaram ferramentas indispensáveis para se chegar a um número crescente de informações acerca de domínios sociais, políticos, econômicos e culturais distribuídos na web. A maior parte do trabalho dos motores de busca pode ser determinada por algoritmos de busca, contudo, a decisão do que procurar e como procurar, é algo que está ancorado na ponta humana do processo, ou seja, no internauta. Considerando a enorme quantidade de informação disponível através da maioria das consultas de pesquisa, as questões de como os usuários conseguem orienta-se e recuperar informações relevantes com essas ferramentas tem se tornado cada vez mais importante. Nesse sentido o processamento de informação e a teoria da decisão sugerem que em situações de decisão complexa como a recuperação de informação na web, as pessoas tendem a favorecer estratégias de decisão simplificadas, ou seja, recorrem a esquemas. Isso quer dizer que eles não processam toda a informação disponível sistematicamente, mas, cria uma ligação heurística a fim de lidar com a quantidade de informação disponível. Entretanto, isso pode levar a resultados ineficazes (ou inúteis) (With, Böcking, Karnowski & Von Pape, 2007).

4. O Bolsa Família integra o Plano Brasil Sem Miséria, que tem como foco de atuação os milhões de brasileiros com renda familiar per capita inferior a 77 reais mensais e está baseado na garantia de renda, inclusão produtiva e no acesso aos serviços públicos. O programa tem três eixos principais, primeiro, a transferência de renda promove o alívio imediato da pobreza. Além disso, as condicionalidades reforçam o acesso a direitos sociais básicos nas áreas de educação, saúde e assistência social. Por fim, as ações e programas complementares objetivam o desenvolvimento das famílias, de modo que os beneficiários consigam superar a situação de vulnerabilidade. Todos os meses, o governo federal deposita uma quantia para as famílias que fazem parte do programa. O valor repassado depende do tamanho da família, da idade dos seus membros e da sua renda (Moraes & Santos, 2014b).

5. Diferentes das buscas simples, aonde o termo é considerado apenas em sua grafia idêntica, a frequências Beta (identificam a catalogam a busca como relativa a um tópico, não importando a grafia, o idioma. Isso é feito considerando o padrão de buscar feito pelo individuo, de um determinado IP, em um período especifico. Isso permite que se tenha uma noção muito mais certeira, sobre as faixas de interesse e seus significados (Moraes & Santos, 2013, 2015).

6. Ex-político e advogado brasileiro, José Dirceu foi deputado federal por São Paulo e ministro-chefe da Casa Civil. Por sua atuação nos governos Lula e Dilma (2003-2016), Dirceu é acusado de enriquecimento ilícito, tráfico de influência, tendo sido condenado em crimes relativos ao escândalo do mensalão.

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