Austral Comunicación

ISSN-L 2313-9129

ISSN-E 2313-9137

Volumen 14, número 2, 2025

e01409

Le lycée e o Collegio de Pedro II: laicidade e religião

Fernanda Barros

https://orcid.org/0000-0003-2678-9591

Universidade Federal de Goiás. Goiânia - GO, Brasil.

ferbarros36@ufg.br

Yvonélio Nery Ferreira

https://orcid.org/0000-0002-5907-4894

Universidade Federal de Goiás. Goiânia - GO, Brasil.

yvonelioferreira@ufg.br

Fecha de finalización: 20 de abril de 2024.

Recibido: 20 de abril de 2024.

Aceptado: 12 de diciembre de 2024.

Publicado: 10 de abril de 2025.

DOI: https://doi.org/10.26422/aucom.2025.1402.fer.

Resumo

Neste artigo nos propomos a analisar aspectos da laicidade e da religiosidade presentes no Lycée francês e no Collegio de Pedro II do Brasil. A influência do Lyceu francês, criado em 1802, foi materializada no ensino secundário brasileiro, a partir da instalação do Collegio de Pedro II, em 1838. As matérias de ensino e a organização dos funcionários são pontos em comum entre essas instituições, contudo, enquanto a França primou pela laicidade; no Brasil, a presença da religião se fez presente, desde a criação do ensino secundário. Nesse sentido, objetivamos a análise dos aspectos de laicidade e de religiosidade presentes nessas instituições, atentando para a documentação produzida pelos governos francês e brasileiro. Tanto a França quanto o Brasil tinham, no século XIX, os preceitos de formação da elite, levando em consideração o controle do Estado na abertura dessas instituições e na organização dos programas. A pesquisa documental e bibliográfica apresenta-se como suporte para a análise, utilizando-nos das leis de criação do liceu na França e no Brasil, bem como dos regulamentos dessas instituições, publicados pelo governo. Para tanto, fundamentamo-nos na História da Educação como área de pesquisa, considerando o método de pesquisa documental. Como resultado, consideramos que houve influência da instituição francesa sobre a brasileira, mas a relação Estado-Igreja no Brasil propiciou ao grupo de funcionários e às matérias de ensino uma caracterização particular.

Palavras-chave: história da educação; ensino secundário; Collegio de Pedro II; Lycée.

Le lycée y el Collegio de Pedro II: laicidad y religión

Resumen

En este artículo nos proponemos analizar aspectos de laicidad y religiosidad presentes en el Lycée francés y en el Collegio de Pedro II de Brasil. La influencia del Lyceu francés, creado en 1802, se materializó en la enseñanza secundaria brasileña a partir de la instalación del Collegio de Pedro II en 1838. Las materias de enseñanza y la organización del personal son puntos en común entre estas instituciones; sin embargo, mientras que Francia primó por la laicidad, en Brasil, la presencia de la religión estuvo presente desde la creación de la enseñanza secundaria. En este sentido, nuestro objetivo es analizar los aspectos de laicidad y religiosidad presentes en estas instituciones, prestando atención a la documentación producida por los gobiernos francés y brasileño. Tanto Francia como Brasil poseían, en el siglo XIX, los preceptos de formación de la élite, teniendo en cuenta el control del Estado en la apertura de estas instituciones y en la organización de los programas. La investigación documental y bibliográfica se presenta como soporte para el análisis, utilizando las leyes de creación del liceo en Francia y en Brasil, así como los reglamentos de estas instituciones, publicados por el gobierno. Para ello, nos fundamentamos en la Historia de la Educación como área de investigación, considerando el método de investigación documental. Como resultado, consideramos que hubo influencia de la institución francesa sobre la brasileña, pero la relación Estado-Iglesia en Brasil propició al grupo de funcionarios y a las materias de enseñanza una caracterización particular.

Palabras clave: historia de la educación; enseñanza secundaria; Collegio de Pedro II; Lycée.

Le Lycée and the Collegio de Pedro II: Secularity and Religion

Abstract

In this article, we aim to analyze aspects of secularity and religiosity present in the French Lycée and the Collegio de Pedro II in Brazil. The influence of the French Lyceum, created in 1802, was materialized in Brazilian secondary education with the installation of the Collegio de Pedro II in 1838. Teaching subjects and staff organization are common points between these institutions; however, while France emphasized secularity, in Brazil, the presence of religion was evident since the establishment of secondary education. Our objective is to analyze the aspects of secularity and religiosity present in these institutions, paying attention to the documentation produced by the French and Brazilian governments. Both France and Brazil had, in the 19th century, the precepts of elite formation, considering the State control in the opening of these institutions and in the organization of the programs. Documentary and bibliographic research is presented as support for the analysis, using the laws governing the creation of the lyceum in France and Brazil, as well as the regulations of these institutions published by the government. For this purpose, we rely on the History of Education as a research area, considering the documentary research method. As a result, we consider that there was an influence of the French institution on the Brazilian one, but the State-Church relationship in Brazil provided a particular characterization to the group of staff and teaching subjects.

Keywords: History of Education; secondary education; Collegio de Pedro II; Lycée.

Introdução

Inspirado na recém-criada República da França e no movimento europeu de organização do Ensino Secundário, o Império do Brasil criou, a partir de 1837, uma instituição que fosse responsável pela educação dos jovens e que os propiciasse se tornarem os novos homens pensantes do império brasileiro.

Bernardo Pereira de Vasconcellos, Ministro e Secretário de Negócios e do Império, entre 1837 e 1839, foi o responsável por trazer ao Brasil os ideais franceses de educação secundária, centrados na formação humanista e na propedêutica de jovens que viessem a ocupar os altos postos do governo e da sociedade. A ação do Ministro foi financiada pelo Imperador, ao enviá-lo ao continente europeu para visitar os modelos de escolas secundárias criadas pela França, Suíça, Império Austro-Húngaro (atual Alemanha), bem como a Suécia. O modelo francês foi o escolhido pelo político que se reuniu com a cúpula governamental brasileira e, pelo Decreto de 2 de dezembro de 1837, converteu o “[...] Seminario de S. Joaquim em collegio de instrucção sedundaria, com a denominação de Collegio de Pedro II [...]” (Brasil, 1837).

A França havia organizado a sua instrução pública em 1802, ainda no período Revolucionário, sob a égide de Napoleão Bonaparte, pela Loi Générale sua l’inspiration publique du 1er mai 1802 (11 floréal na X). Esta lei criou o sistema francês de educação republicana e determinou em seu,

Title I. Division de l’instruction – Art. 1. – L’instruction sera donnée: 1o Dans les Écoles primaires établis par les communes; 2o Dans les Écoles secondaires établies par des communes ou tênues par des maitres particuliers; 3o Dans des Lycées et des Écoles spéciales entreten us aux frais du Tréson public.

A Lei de 1 de maio de 1802 assinada por Napoleão Bonaparte, que estabeleceu o sistema de instrução público francês foi modelo para o Collegio de Pedro II; entre os quatro graus de ensino estava o lycée, traduzido para o português do Brasil do século XIX como lyceu ou liceu. O terceiro nível da escola francesa fora trazido ao Brasil sem articulação com a escola primária, criada pela Lei de 15 de outubro de 1827, ou com as Faculdades já instaladas a partir de 1808 no Brasil. Seria portanto, uma escola única, designada para educar um grupo de jovens pensantes, fundamentada no “regimen litterario, e scientifico. (Brasil, 1838).

Em sessão da Câmara dos Deputados no Brasil, de 19 de maio de 1838, o Ministro justificou: “[...] o regulamento é alheio: em quase todas as suas disposições é copiado do regulamento dos collegios de França, apenas modificado por homens que gozão da reputação de sabios, e entendem o que deve alterar-se nas disposições desses estatutos.” (Brasil, 1838, p. 180).

Essa fala do deputado Bernardo Pereira de Vasconcellos refere-se ao Regulamento n. 8, do Collegio de Pedro II de 31 de janeiro de 1838, escrito pelo próprio deputado e publicado pelo regente do Império, em nome do Imperador, Pedro de Araujo Lima. O Collegio, com nome que homenageava o imperador brasileiro, fora criado em 2 de dezembro de 1837, por Decreto Imperial, com o objetivo de que “Art. 3.o Neste collegio serão ensinadas as línguas latina, grega, franceza e inglesa; rethorica e os princípios elementares de geographia, história, philosophia, zoologia, mineralogia, botânica, chimica, physica, arithmetica, álgebra, geometria e astronomia.”

Essa instituição concedia ao aluno que concluísse o curso o título de Bacharel em Ciências e Letras, permitindo-lhe ingressar nas Academias do Império sem a necessidade de passar por exames preparatórios. Essa medida, influenciada pelo elitismo francês, também traçava o caminho que os estudantes da instituição seguiriam em suas carreiras.

A par dessas informações introdutórias, neste texto discutiremos quais características fazem essas duas instituições serem similares e o que as diferencia. Os documentos de análise são os documentos oficiais publicados pelos governos francês e brasileiro, esse último na capital do Império. Esses possuíam organizações religiosas distintas no século XIX, o que faz da inspiração na França por parte dos brasileiros, uma situação ambígua, já que a República Francesa é laica e o governo imperial Brasileiro foi aliado da Igreja Católica Apostólica Romana.

Nesse sentido, apresentamos a seguir as características de laicidade ou religiosidade de cada uma dessas instituições, tomando como parâmetro de comparação, as matérias de ensino e os funcionários que foram exigidos nos seus documentos oficiais.

Desenvolvimento

A França revolucionária consagrou a laicidade do Estado ao divulgar dois documentos fundamentais: a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789, e a Constituição de 3 de setembro de 1791. Em contraste com o Antigo Regime, que preservava a união entre o Estado e a Igreja, a República proclamou a soberania dos cidadãos. No texto constitucional, afirma-se: “A lei não reconhece mais os votos religiosos, nem qualquer outro engajamento que for contrário aos direitos naturais ou à Constituição” (tradução nossa) (France, 1791)[1].

Esse ato criou um estado laico, determinante da liberdade e garantiu a educação desse homem, cidadão francês sob os princípios da laicidade e da liberdade. Assim como determina a Constituição:

Será criada e organizada uma Instrução Pública comum a todos os cidadãos, gratuita em relação às partes de ensino indispensáveis para todos os homens e cujos estabelecimentos serão distribuídos gradualmente, em relação combinada com a divisão do reino. - Serão estabelecidas festas nacionais para preservar a memória da Revolução Francesa, manter a fraternidade entre os cidadãos e anexá-los à Constituição, à Pátria e às leis. (tradução nossa)[2]

Essa forma de ver o homem e entender a organização do estado francês determinou todas as ações do século XIX e inspirou outras nações. Liberdade, igualdade e fraternidade tornaram-se o lema de um novo modelo de sociedade. A educação não poderia ser organizada fugindo a esses princípios, contudo, a organização da instrução francesa, após a revolução, determinou o caminho a ser seguido por seus cidadãos a partir da escola que frequentassem.

Com a publicação, em 1802, da Loi Generale sur l’instruction publique 1er mai 1802 (floreal na X) por Napoleão Bonaparte, então Cônsul Vitalício da França, foi criado o modelo de instrução pública daquele país, que seria, assim, como em outros aspectos, modelo para a Europa e outros países. A instrução francesa ficou assim dividia: “1o Nas Escolas primárias estabelecidas pelas comunas; 2o Nas Escolas secundárias estabelecidas pelas comunas ou realizadas por mestres particulares; 3o Nos liceus e Escolas especiais mantidas pelo Tesouro público. (tradução nossa)”[3]

O objetivo do lyceu francês era “Art. 9. – Será estabelecido liceus para o ensino de letras e ciências. [...]”[4] (France, 1802a). Observamos que em nenhum trecho da lei de 1 de maio foi feita qualquer referência à religião como estratégia do estado na educação dos seus cidadãos.

Na estrutura do liceu francês, podemos identificar dois aspectos principais: o corpo de funcionários e as disciplinas de ensino. Em relação aos funcionários, observa-se uma forte ênfase administrativa, representada por três cargos principais: le proviseurle censeur e le procureur, correspondendo, respectivamente, o diretor, o censor de estudos e o procurador ou gerente administrativo. O diretor tinha a responsabilidade de supervisionar os assuntos urgentes, manter a rotina da instituição e nomear tanto os professores quanto os mestres de estudos e demais funcionários (France, 1803).

O censor de estudos era o responsável por monitorar a conduta, o desempenho acadêmico e o progresso dos alunos. Esse profissional reportava-se diariamente ao diretor, oferecendo um panorama detalhado tanto da instituição quanto dos alunos, incluindo os internos sob sua supervisão direta e os externos nas atividades realizadas dentro do liceu. Também era atribuição do censor conduzir uma inspeção semanal entre os alunos, onde qualquer item que pudesse representar risco era retirado. Todas as atividades internas do liceu, desde as refeições, banhos e recreios até a entrada e saída dos alunos, estavam sob sua coordenação. Dessa forma, o censor mantinha a ordem, seguindo um rigor disciplinar semelhante ao militar, e assegurava o cumprimento dos direitos e deveres dos estudantes.

Como terceira figura de autoridade, existia o procurador ou procurador gerente que seria o funcionário ligado às questões financeiras da instituição, responsável por gerir todas as despesas, das ordinárias às extraordinárias. Toda a movimentação seria registrada a fim de prestar contas ao Conselho de Administração do Estado.

Além dos três cargos que compunham a gestão central do lycée, também faziam parte da equipe os professores, mestres de estudos, mestres de exercícios, o porteiro, o enfermeiro e os funcionários responsáveis pelos serviços domésticos. O diretor era responsável em fazer a supervisão diária de todos os funcionários, ficando sob sua responsabilidade o controle de suas ações. Na legislação não há quantidade fixa para esses cargos, variando de acordo com o número de alunos. Os estudantes eram organizados em grupos de 25. Para cada conjunto de três grupos de alunos com idade a partir de quatorze anos, havia um funcionário designado, enquanto, para cada três grupos de alunos com até treze anos, eram necessários três funcionários.

O segundo critério de análise elencando neste texto, são as matérias de ensino. Essas são consideradas a principal característica copiada ao ensino secundário brasileiro e, nesse sentido, descrever a sua organização nos dá elementos para a posterior discussão.

Os documentos examinados incluem: 13 brumaire na 11 (4 novembre 1802), Instruction relative à l’organisation des lycées; 21 prairial na 11 (10 juin 1803), Arrêté portant réglement général pour les lycées; 19 frimaire na 11 (10 décembre 1802) Organisation de l’enseignement dans les lycées. Esses três textos detalham, entre outros pontos, as matérias de ensino e sua divisão por classes. A organização das aulas no liceu franceses abrangia seis anos, com foco no ensino de línguas e matemática.

No documento Instruction relative à l’organisation des lycées, de 1802, os conteúdos de ensino foram especificados no Art. 1: Se ensinará essencialmente no liceu o latim e as matemáticas (tradução nossa)[5]. Havia seis níveis de latim e seis de matemática, organizados e nomeados como: sexta, quinta, quarta, terceira, segunda e primeira (FRANCE, 1802c). Cada aluno cursaria dois níveis de latim por ano, concluindo essa área em três anos, após esta etapa, avançaria para as classes de matemática, completando-as em mais três anos. Além de latim e matemática, outras disciplinas complementavam o currículo: geografia, história, francês, história natural (biologia), física, astronomia, mineralogia e química. O documento legal Organisation de l’enseignement dans les lycées, publicado em 19 Frimário na 11 (10 de dezembro de 1802) sob Napoleão Bonaparte, descreve no Art. 1 ao Art. 14 a distribuição dessas disciplinas. Desde o primeiro ano, outras matérias eram integradas nas classes de latim, conforme a sistematização apresentada no documento, distribuídas da seguinte maneira:

Quadro 1. Classes de latim no liceu francês no ano de 1803

Classes de Latim

Primeiro ano

Segundo ano

Terceiro ano

Sexta classe

Quinta classe

Quarta classe

Terceira classe

Segunda classe

Primeira classe

Latim

Latim

Latim

Latim

Latim

Latim

números

4 regras básicas de Aritmética

Geografia

Geografia

Geografia

História

 

 

 

Cronologia

História do Império francês

Geografia da França

 

 

 

História Antiga

Mitologia e crenças dos povos nas diferentes idades do mundo

 

Arte da escrita com ditados de trechos para traduzir do francês para o latim e do latim para o francês

 

 

Memorização de trechos de obras francesas e tradução para o latim

 

 

 

Belas letras latinas e francesas – referências antigas de classes de poética e retórica

Fonte: (France, 1802a); (Barros; Gutierrez, 2023).

As exigências de aprovação nas classes de latim seriam as aprovações nos exames e, o aluno seguiria para as classes de matemática apenas se completasse a quinta série de latim. Se o aluno completasse os estudos regularmente, poderia concluir os estudos em 5 anos.

As classes de matemática, descritas no quadro 2, também se organizam em 3 anos, além de aglomerar as outras matérias já citadas.

Quadro 2. Classes de matemáticas do liceu francês de 1802

Classes de Matemática

Primeiro ano

Segundo ano

Terceiro ano

Sexta classe

Quinta classe

Quarta classe

Terceira classe

Segunda classe

Primeira classe

Matemática

Matemática

Matemática

Matemática

Matemática

Matemática

História Natural

Elementos da Esfera

Principais fenômenos da Física

Elementos da Astronomia

Princípios da Química

Noções da Mineralogia

Matemática transcendente[6]

 

 

 

 

Aplicação do Cálculo diferencial;

Mecânica;

Teoria dos Fluídos;

Aplicação da Geometria Plana em cartas Geográficas

Princípios gerais da Alta Física: Elétrica e Óptica

 

 

 

 

Fonte: (France, 1802a); (Barros; Gutierrez, 2023).

O Quadro 2 apresenta as disciplinas voltadas para o estudo da natureza e ciências, que, juntamente com as matérias clássicas, constituiriam o núcleo da formação humanista e propedêutica da instituição. Além dessas disciplinas principais, os alunos do liceu tinham a opção de cursar outras aulas ministradas por especialistas: um mestre de escrita, um mestre de desenho, um mestre de dança e um mestre de música. Os três primeiros mestres eram remunerados pelo liceu, enquanto o professor de música era pago pelas famílias dos alunos.

O Réglement sur l’enseignement dans les lycées (19 sepptembre 1809), acrescentou algumas questões sobre as matérias de ensino. No seu § II - Du cours d'études des lycées, do artigo seis ao vinte, há a descrição de quais matérias fazem parte do programa de estudos do liceu, acrescentando o grego às classes de latim.

Esse novo regulamento permitia que os alunos iniciassem o estudo das matemáticas simultaneamente às aulas de latim. A retórica também foi adicionada ao currículo, integrando as humanidades e voltando-se para o estudo das normas dos gêneros de escrita. Essa disciplina incluía o exame de autores antigos e modernos, tanto em latim quanto em francês.

Nas aulas de matemática foram incorporadas as disciplinas de trigonometria, geometria plana e espacial. Além disso, a filosofia passou a fazer parte do currículo, com ênfase nos estudos de lógica, metafísica, moral e história das ideias dos filósofos. O objetivo era recuperar os textos clássicos da Antiguidade, alinhando-se ao projeto dos revolucionários, que visavam uma formação liceal voltada para as humanidades e para as obras clássicas.

No texto legal de 1809, o destaque vai para a inclusão da língua grega, que, juntamente com o latim, passou a integrar o conjunto de estudos de humanidades, tornando-se uma parte essencial do currículo. Esses aspectos dos regulamentos franceses foram trazidos ao Brasil pelo governo imperial, inspirando a organização do Collegio de Pedro II. Na criação do Collegio, porém, a Igreja Católica apostólica Romana está presente em vários aspectos da instituição. É relevante iniciarmos a demonstração desses elementos a partir da organização do Império brasileiro, tendo a Constituição de 1824 como referência.

Em seu preâmbulo apresenta “DOM PEDRO PRIMEIRO, POR GRAÇA DE DEOS”, assim mesmo em letras maiúsculas, assegurando à soberania a graça divina do imperador. Nesse sentido, todo o texto constitucional reafirma tais poderes. As aferições à fé católica são prementes no texto, desde o seu título “Constituição Política do Imperio do Brasil. Em nome da Santissima Trindade” (Brasil, 1824).

A força da aliança entre Estado e Igreja no Brasil vai prevalecer por todo o Império, assegurando que todas as instituições tivessem essa característica assegurada e resguardada pelos parâmetros legais.

No Regulamento do Collegio de Pedro II, fica afirmada, em todo o seu de funcionamento, a presença da fé católica, desde a sua afirmação como instituição mantida pelo império, aliado da Igreja, quanto pela sua organização de matérias e na contratação de seus funcionários, como demonstrado a seguir:

Art. 4.º Para o regimen e intrucção neste collegio haverão os seguintes empregados: § 1.º Hum Reitor, hum Syndico ou Vice-Reitor, hum Thesoureiro, e os serventes necessarios. § 2.º Os Professores, Substitutos e Inspectores dos alumnos, que forem precisos para o ensino das materias do art. 3.º, e direcção e vigia dos mesmos alunos. No numero dos Professores he comprehendido o de Religião, que será tambem o Capellão do Collegio. (grifos nossos). (Brasil, 1837).

Na fundação do Collegio, foi designado um professor para atuar como representante da Igreja dentro da instituição, o capelão. Esse ministro religioso tinha a autorização para prestar assistência espiritual e conduzir cultos em diversos ambientes, como comunidades religiosas, conventos, colégios, universidades, hospitais, prisões, corporações militares, entre outras organizações, sendo, na maioria das vezes, um padre ou pastor. Portanto, a religiosidade foi a âncora do Collegio de Pedro II, para a manutenção da moral católica na formação dos jovens que estudariam na instituição.

No Regulamento n. 8 de 1838, há pontos de destaque para a presença da Igreja no Collegio. Indicamos os dois aspectos, assim como no lycée francês: os funcionários contratados e a organização das matérias de ensino. Em relação aos funcionários ou empregados, há no texto do regulamento 45 artigos que determinam suas obrigações dentro do Collegio.

Os funcionários do Collegio de Pedro II seriam os seguintes: o reitor, o vice-reitor, o Capellão, os professores, os substitutos, os inspetores de alunos, o professor de saúde, a enfermeira, os serventes. Aos três primeiros, reitor, vice-reitor e Capellão competiam a organização geral da instituição. O reitor seria o contato entre o Ministro do Império e o Collegio, tendo internamente as funções de contratar e nomear todos os demais funcionários. Competiam ao retor também, a inspeção religiosa, financeira, disciplinar e de fiscalização geral da instituição.

Art. 1º Compete ao Reitor: § 1º Nomear interinamente, e suspender os inspectores do Alumnos. [...] § 3º Contractar os Serventes necessarios. § 4º Inspeccionar tudo o que respeita á Religião, costumes, ordem e estudos. § 5º Presidir ao regimen economico do Collegio. § 6º Intimar e fazer executar as ordens, determinações e decisões relativas ao Collegio. § 7º Fazer, pelo menos, uma visita diaria á enfermaria. § 8º Visitar por vezes o refeitorio no tempo da comida para observar os alimentos dos Alumnos. § 9º Assistir de tempos a tempos, e inesperadamente, as lições dos Professores. § 10. Correr as salas de estudos, especialmente no tempo da oração commum, [...] § 12. Communicar ao Vice-Reitor as transgressões graves que possão ser attribuidas á negligencia dos empregados. § 13. Examinar todas as manhãs os relatorios dos diversos Inspectores de Alumnos, que lhe serão entregues na vespera á noite pelo Vice-Reitor. Se pelo exame dos relatorios julgar conveniente, fará que venhão á sua presença os Alumnos para castiga-los severamente, reprehendê-los ou exhorta-los. [...] § 15. Receber, e por si mesmo dirigir queixas e reclamações ao Governo por faltas e transgressões commettidas pelos empregados que não puder demittir. § 16. Despedir o Alumno quando tenha commettido falta grave contra os costumes, Religião, disciplina, participando-o immediatarnente ao Governo. [...] Art. 4º Remetterá no fim do 5º e 10º mez do anno escolar ao Ministro do Imperio um relatorio sobre a disciplina, estudos, e geralmente sobre o estado moral do Collegio, ajuntando-lhe notas circumstanciadas sobre cada um dos Alumnos, tanto internos, como externos. (Brasil, 1838).

O vice-reitor seria o substituto do reitor, em suas faltas e estaria ligado diretamente às atividades dos alunos, junto ao inspetor de alunos. Não há esse funcionário no lycée francês. As suas funções seriam:

Art. 5º Compete ao Vice-Reitor: § 1º Substituir ao Reitor em todas as suas funcções no caso de falta, ou impedimento. § 2º Receber directamente as ordens do Reitor, e dar-lhe parte de sua execução. § 3º Receber dos Inspectores de Alumnos, e entregar ao Reitor os relatorios diarios. § 4º Receber dos Professores, e Inspectores, e entregar ao Reitor os mappas semanaes do comportamento, e trabalha dos Alumnos. § 5º Vigiar pessoalmente o levantar e deitar dos Alumnos, a entrada e sahida das Aulas, o Refeitorio, e Locutorio. § 6º Inspeccionar os Alumnos quando sahirem a passeio, e designar a direcção delles. § 7º Corrigir os Empregados negligentes, e que não cumprirem seus deveres. § 8º Inspeccionar especial e immediatamente quanto respeitar ao ensino e á disciplina. Art. 6º O Vice-Reitor é o Conservador da Bibliotheca, e de todas as collecções de objectos relativos ás Sciencias. (Brasil, 1838)

O terceiro funcionário, o Capellão, não existia na organização francesa. Dentre as duas funções, destacam-se:

Art. 7º O Capellão é igual em dignidade ao Vice-Reitor, e será nomeado pelo Governo sobre proposta do Reitor, o qual consultará previamente o Bispo. Art. 8º. O Capellão habitará no interior do Collegio, o mais perto que fôr possivel da Enfermaria, que visitará todos os dias. Art. 9º Ao Capellão compete: § 1º Guardar e conservar os Vasos Sagrados, ornamentos e outros objectos do uso da Capella do Collegio. A seu pedido, e por informação do Reitor, será determinada cada anno a quantia, que convém destinar para a mantença, o reparo desses objectos. § 2º Celebrar Missa nas quintas feiras, Domingos e dias de guarda, no dia da distribuição dos premios, e a do Espirito Santo no da abertura das aulas. § 3º Dar instrucção religiosa aos Alumnos nos dias e horas que forem determinados pelo Regimento interno. § 4º Prepara-los para a primeira Communhão, e para a Confirmação; dispô-los para a frequentação dos Sacramentos. Para ajuda-lo no ministerio da Confissão poderá convidar, de accordo com o Reitor, ao menos uma vez por mez, um ou mais Sacerdotes. § 5º Presidir ás Orações das vesperas nos Domingos e dias de guarda; e dirigir nesses dias aos Alumnos homilias instructivas. Art. 10. Devem os Alumnos estar sempre providos dos livros de Officio Divino adoptados para a Diocese. Art. 11. Todos os empregados, que residirem no Collegio, assistiráõ ás Missas com os Alumnos. (Brasil, 1838)

Essas características dos funcionários do Collegio de Pedro II com suas funções definidas pela rigidez e controle das normas religiosas, o fazem ser uma instituição inspirada nos moldes franceses, contudo adaptada à religião católica.

Em relação às matérias de ensino, o quadro 3 apresenta a sua organização.

Quadro 3. Organização das matérias do Collegio de Pedro II - 1838

Aulas

8a  e 7a aulas

6a

5a e 4a aulas

3a

2a

1a

Grammatica nacional

Latinidade

Latinidade

Latinidade

Philosophia

Philosophia

Grammatica latina

Lingua grega

Lingua grega

Lingua Grega

Rethorica e Poetica

Rhetorica e Poetica

Arithmetica

Lingua Franceza

Lingua Franceza

 

Sciencias Physicas

Sciencias Physicas

Geographia

Arithmetica

Lingua Ingleza

Lingua Ingleza

História

História

Desenho

Geographia

História

História

Mathematica

Sciencias Physicas

Música Vocal

História

História Natural

Sciencias Physicas

 

Astronomia

 

Desenho

Geometria

Algebra

 

Mathematica

 

Música

 

 

 

 

Fonte: (Brasil, 1838).

No quadro 3 observamos que as matérias de ensino do Collegio de Pedro II foram organizadas seguindo uma junção de aulas, da 8a para a 1a, assim como no regulamento francês. Contudo, a separação entre as classes de latim e as de matemáticas não foi copiada do liceu francês. Há uma junção de latim e matemática logo na oitava e sétima aulas, e isso segue até a primeira aula, com a Rethorica e Mathematica coexistindo.

O regulamento do Collegio é extenso e apresenta artigos detalhados sobre a rotina da instituição, como por exemplo, dezesseis artigos descrevendo os exames realizados pelos alunos e os prêmios a ele concedidos. Tais premiações não são presentes na documentação francesa de 1802, apenas em 1809 estiveram presentes.

Discussão

O objetivo do Lyceu, desde a sua criação na França Napoleônica, pode ser descrito da seguinte forma:

A necessidade de estudar as ciências, de cultivar as artes, antes era apenas fruto de uma natureza feliz, de uma vocação particular, ou de um gosto que indicava a algumas pessoas o que deveria encantar o seu lazer, agora esta necessidade tornou-se, por assim dizer, universais. O rápido progresso das ciências exatas, a aplicação das descobertas aos usos da vida; o desejo de julgar as obras-primas que a bravura de nossos guerreiros conquistou para nós, de conhecer nossas novas relações com povos de diferentes tradições; a necessidade de ocupar a nossa indústria, seja para realizar alguns sonhos de fortuna, seja para adquirir consideração pública: que o nascimento ou a riqueza por si só não podem mais proporcionar; tudo nos leva a estudar a brilhante teoria da ciência, os processos úteis das artes, e a cultivar as letras, fontes inesgotáveis de consolação e prazer (France, 1801, p. 149). [7]

As disciplinas incluídas nos estudos das classes de latim refletem os ensinamentos do Trivium da antiga escola grega, representada pela Academia e pelo Lyceu, instituições fundadas por Platão e Aristóteles, que sistematizaram esses conhecimentos e serviram como fonte de inspiração para os projetos educacionais na França.

O Trivium da linguagem está estruturado sobre os valores fundamentais e objetivos da Verdade, da Beleza e da Bondade. Seus três temas são: a Gramática, que assegura a boa estrutura da linguagem; a Lógica, para encontrar a verdade; e a Retórica, para o belo uso da linguagem ao expressar a verdade (Martineau, 2014, p. 48).

As disciplinas comuns entre os liceus franceses e o Colégio Pedro II incluem latim, grego, francês, geografia, história, retórica, poética, filosofia, matemática, astronomia, e história natural, que englobava mineralogia, física e química. No entanto, a gramática da língua portuguesa no regulamento do Collegio Pedro II tinha um objetivo diferente do de língua francesa, pois, nos regulamentos franceses de 1802 e 1809, o foco era aprofundar-se nos detalhes da língua. O inglês não estava presente nos regulamentos franceses, assim como a zoologia e a botânica, que, por sua vez, estavam presentes em regulamentos suecos e ingleses, conforme mencionado por Bernardo de Vasconcelos na sessão do Senado de 19 de maio de 1838. Duas disciplinas que apareciam como aulas regulares no Colégio Pedro II, com 2 ou 4 classes semanais – desenho e música vocal – eram oferecidas no liceu francês como matérias extracurriculares, opcionais para os alunos, nos momentos em que não estivessem envolvidos nas outras matérias.

A análise dos regulamentos permite duas reflexões. Primeiramente, destaca-se que o regulamento francês foi a principal referência para o Ministro Vasconcelos, mesmo que ele tenha pesquisado regulamentos de outros países, o que aponta para a forte influência da França sobre o Brasil no final do século XVIII e início do XIX. Em segundo lugar, observa-se que o humanismo propedêutico, que englobava tanto as línguas e literaturas quanto as ciências, como botânica e zoologia, foi uma inspiração tanto para o Collegio Pedro II quanto para os estabelecimentos europeus.

As línguas, no conjunto de matérias dessas instituições de ensino secundário, são adotadas seguindo a perspectiva filosófica, pela concepção de Platão, destacando a linguagem como uma fonte de equívocos, além da dicotomia entre linguagem e conhecimento. O filósofo examina de forma mais profunda a natureza da linguagem, explorando os desafios decorrentes da convenção dos sinais e a distinção entre verdade e falsidade em relação às proposições, discutindo se a linguagem possibilita ou não o conhecimento da realidade.

No diálogo Sobre a correção dos nomes, duas abordagens se destacam, oferecendo visões diferentes sobre a questão em debate: o naturalismo, defendido por Crátilo, e o convencionalismo, apoiado por Hermógenes: "[...] o naturalismo caracteriza-se por defender que há uma relação natural entre o signo e a coisa significada: o signo deveria possuir uma natureza comum com a coisa que significa, contribuindo assim para o conhecimento dela”. Por sua vez, o convencionalismo "[...] consiste em uma tese mais fraca sobre a relação entre palavras e coisas, segundo o qual não há nada em comum entre elas: são apenas convenções estabelecidas em uma determinada sociedade". (Marcondes, 2009, p. 14).

Por meio do debate entre naturalismo e convencionalismo, Platão apresenta argumentos fundamentais para compreender a questão. Um desses argumentos destaca a variação linguística, evidenciando que um mesmo objeto pode receber diferentes nomes em línguas diversas, o que sugere uma possível ligação natural entre palavras e coisas, chamada de naturalismo, originada de uma língua ideal que representaria a verdadeira essência das coisas.

Entretanto, o naturalismo não consegue explicar completamente a relação entre palavras e coisas, já que a busca por uma língua ideal não é concretizável, e as línguas faladas desafiam essa relação. Por outro lado, o convencionalismo enfrenta dificuldades em explicar as convenções linguísticas, uma vez que estas não podem ser estabelecidas antes da linguagem, que é o principal fator na formulação das convenções. O diálogo Crátilo termina de maneira inconclusiva, indicando a aporia do debate, com alternativas insatisfatórias. Apesar disso, Platão destaca, a partir do discurso socrático, a importância de enxergar a verdade para além das palavras no fito de compreender a linguagem.

Para Platão, a linguagem só se configura a partir de proposições, já que uma simples lista de sinais não constitui linguagem; esta surge do que é dito e da resposta gerada por aquilo que foi dito, posteriormente identificados como sujeito e predicado.

Com base no exposto, Sylvain Auroux afirma que,

[...] a comunicação do tipo 'linguagem humana' é veiculada pela proposição, entidade composta de unidades categorizadas por seu papel no seio dessa mesma proposição." [...] "Ele designa uma propriedade puramente linguística, quero dizer, não dedutível do fato de esse ou aquele signo designar isso ou aquilo (o nome, a substância, o verbo, a ação). O caráter 'proposicional' da linguagem humana está sempre mais ou menos diretamente implicado em toda tentativa de definir a especificidade do nível linguístico a qualquer outro (p. 12).

Nesse contexto, Platão introduz a noção de entrelaçamento como um meio de determinar a veracidade ou falsidade de uma proposição. Ele define o entrelaçamento como a combinação de um nome e um verbo – ressalta-se que o termo nome, aqui não se limita apenas ao substantivo, mas abrange qualquer elemento linguístico – que pode ser interpretado como um embrião do conceito de sintaxe. Segundo Platão, se as combinações estabelecidas em uma proposição correspondem à realidade, então essa proposição é verdadeira; caso contrário, é falsa.

A partir dessas premissas sobre a linguagem humana, a Lógica, desenvolvida por Aristóteles, emerge como a primeira disciplina a adotar as perspectivas platônicas sobre proposições. No entanto, Aristóteles considera apenas uma parte do logos de Platão, o logos apofântico, que se refere a enunciados verbais passíveis de serem verdadeiros ou falsos. Aristóteles, ao dar primazia aos discursos apofânticos, os considera como a verdadeira expressão linguística, a partir da qual outras formas de linguagem podem ser avaliadas ou moldadas.

Aristóteles, ao reconsiderar essas perspectivas, propõe uma solução para o dilema, destacando que a inter-relação entre o pensamento e a realidade é crucial para analisar o significado dos signos; nesse sentido, a mediação da mente desempenha um papel central na relação entre palavras.

Nesse sentido, podemos afirmar que o uso das muitas línguas no conteúdo do liceu francês apresenta-se de forma dicotômica entre o naturalismo, a linguagem em sua essência contra a linguagem desenvolvida no Collegio de Pedro II, que tende a dar sentido religioso e moral à aprendizagem dos alunos.

Acerca dessa perspectiva, Nicola Abagnano (2007, p. 709) destaca: 

Aristóteles foi o primeiro a inserir entre o nome e o seu designado a afecção da alma, a representação ou o conceito mental (ideia ou palavra interior ou qualquer outra denominação que venha a ter em seguida) que cinde e articula a relação entre o nome e o seu designatum. A inserção desse termo permite reconhecer, ao mesmo tempo, o convencionalismo da linguagem e a necessidade dos seus significados.

Nesse sentido, Aristóteles argumenta que um nome é um termo semântico por convenção, ou seja, ele se torna um símbolo apenas após uma convenção estabelecida. Embora as palavras possam ter sons ou grafias diferentes para diferentes pessoas, elas se referem a conceitos e imagens de objetos que são universais. Dessa forma, retomando o que foi mencionado anteriormente por Abbagnano (2007), percebe-se que

[...] a relação palavra-imagem mental é convencional, ao passo que a relação imagem mental-coisa é natural. A primeira pode mudar sem que mude a segunda, e é apenas a imutabilidade ou necessidade da segunda que determina a estrutura geral da linguagem, que depende da "união e separação" dos signos, da forma como eles se unem e se separam, e não do convencionalismo dos sinais. Segundo Aristóteles, isso estabelece o caráter privilegiado da linguagem apofântica, em que têm lugar as determinações de verdadeiro e falso, segundo a união e a separação dos signos reproduza ou não a união ou a separação das coisas (p. 710).

Ampliando essas reflexões, é possível observar que Aristóteles também elabora sobre a função comunicativa da linguagem, um aspecto que continua relevante, mesmo na contemporaneidade. Ao estabelecer os fundamentos da retórica, o filósofo ressalta a importância de comunicar algo com um propósito específico, dirigido a um destinatário. Assim, compreender essa perspectiva e saber como empregar objetivos na comunicação é essencial para uma utilização eficaz dos recursos retóricos.

Portanto, além dos outros aspectos discutidos por Aristóteles sobre o assunto, é evidente concordar que a linguagem constitui um traço definidor da natureza humana. Isso se deve ao fato de que o ser humano é intrinsecamente social, e a linguagem desempenha um papel fundamental ao possibilitar a convivência em sociedade. A laicidade francesa ou a religiosidade brasileira, foram fundamentais para a construção do pensamento dos jovens alunos do ensino secundário.

O outro grupo de disciplinas, as ciências, que se somam às matemáticas, estão associadas ao Quadrivium da antiguidade, cujo foco principal era o estudo da natureza e tudo o que ela oferece à percepção humana.

O Quadrivium surge do mais reverenciado de todos os assuntos disponíveis à mente humana: o número. A primeira dessas disciplinas é a Aritmética. A segunda é a Geometria ou a ordem do espaço como número no espaço. A terceira é a Harmonia que, para Platão, significa o número no tempo. A quarta é a Astronomia ou o número no espaço e no tempo. Todos esses estudos oferecem uma escada segura e confiável para alcançar os valores simultâneos da Verdade, da Beleza e da Bondade. Por sua vez, isso lev ao valor essencial e harmonioso da Totalidade (Martineau, 2014, p. 7).

O número é estudado desde a antiguidade e a ciência do número é uma das mais antigas. A aritmética, a geometria, a música e a astronomia estiveram presentes no ensino secundário francês e brasileiro com a perspectiva de formação do raciocínio científico nos seus alunos.

A junção da leitura, da escrita e do cálculo formavam a base da educação liberal, que foi assegurada pela laicidade do ensino francês. Assim como pensaram Platão e Aristóteles, a República francesa, elencou as sete artes liberais como fundamentais para a erudição do novo homem francês. Esse fora inspiração para a formação do homem brasileiro. Ambos seriam os novos pensadores das nascentes nações.

O grau de Bacharel concedido aos alunos do ensino secundário, era a demonstração da proficiência adquirida nessas artes, ou matérias como denominamos nesse estudo. O domínio das matérias, inicialmente não tem ligação com a religião, fazendo do ensino secundário brasileiro uma exceção, com a Igreja Católica Apostólica Romana gerindo o pensamento moral e ético. Estudar as matérias vinculadas à base religiosa, fez a organização dos estudos brasileiros se tornarem distintos da inspiração laica francesa.

Essa diferença foi notada no Regulamento do Collegio de Pedro II, que contava com um número maior de funcionários em comparação à instituição francesa, embora ambas tivessem os mesmos objetivos, relacionados ao internato e externato. O aumento do corpo funcional se explicava principalmente pela criação de cargos voltados à fiscalização dos alunos, com uma forte ênfase religiosa, transformando a instituição brasileira em um ambiente no qual as famílias confiavam seus filhos, garantindo sua segurança e afastamento dos perigos do mundo exterior, visto que a religião já desempenhava um papel significativo no Brasil desde os primeiros momentos da ocupação portuguesa.

Religião e liberalismo foram as estratégias usados pelo Brasil, desde a organização do ensino secundário no Collegio de Pedro II, o que faz com que o liberalismo se adaptasse ao Brasil e, sobretudo no ensino das matérias, asseguradas pela organização administrativa da instituição.

Conclusões

Considerando a análise realizada sobre as semelhanças e diferenças entre o Lyceu francês e o Collegio de Pedro II brasileiro, é possível observar que ambos foram instituições fundamentais na formação educacional de jovens durante o século XIX. Ao compararmos dois dos principais aspectos dessas instituições, as matérias de ensino e os funcionários, pudemos observar com detalhes, como cada um dos países organizou o seu pensamento educacional. Cada um desenvolveu características distintas de acordo com o contexto político, social e religioso em que estavam inseridos. Enquanto o Lyceu francês adotava uma abordagem laica e centrada na formação humanista e científica dos alunos, levando em consideração o liberalismo; o Collegio de Pedro II, influenciado pela organização religiosa premente, predominante no Brasil imperial, incluía elementos morais e éticos ligados à Igreja Católica Apostólica Romana em sua estrutura educacional.

Essa diferenciação, embora marcante, não diminuiu a importância de ambas as instituições na construção do conhecimento e na preparação dos jovens para os desafios intelectuais e sociais de suas épocas. O século XIX foi marcado pela ascensão dos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade franceses que, mesmo fundidos à fé católica, colocavam as nações numa posição de reorganizarem-se para criarem uma sociedade. A educação, todavia, foi uma das estratégias de formação desse novo cidadão. A formação do pensamento de nação, cunhada pela Revolução Francesa contagiou todo o Ocidente. No Brasil, a formação de nação ainda está em discussão, e podemos afirmar que a fé religiosa foi importante elemento para a construção do pensamento brasileiro.

É evidente que a laicidade do Lyceu francês e a religiosidade presente no Collegio de Pedro II moldaram não apenas os conteúdos curriculares, mas também a organização administrativa e o ethos educacional de cada instituição. Enquanto uma buscava promover o pensamento crítico e científico desvinculado de influências religiosas; a outra incorporava princípios morais e éticos fundamentados na fé católica. Essas características refletem não apenas as ideologias dominantes em seus respectivos países, mas também as complexidades e nuances da educação no século XIX.

A formação das instituições de ensino secundário pensadas na França e no Brasil tinham o humanismo como mote, mas sobretudo, o ideal de cidadania de cada um dos países foi moldado pelo conjunto de matérias que se ensinava a cada jovem, escolhido para se formar como grupo pensante das nações. O modo como os jovens se formavam era o que iria definir o modo como as nações se organizariam a partir de então. Tais instituições foram espalhadas pela França e pelo Brvñasil, abertas pelos critérios que cada país definiu como fundamentais para o ensino secundário.

Entre a República francesa e o Império brasileiro existiram outros distanciamentos, a liberdade do trabalhador e a escravidão, foram sem dúvidas a maior distância, aspectos que influenciaram diretamente na condição do aluno dos liceus franceses e do Collegio de Pedro II, bem como os liceus brasileiros.

Assim, ao analisar o legado dessas instituições, é essencial reconhecer tanto suas contribuições para o desenvolvimento intelectual dos jovens quanto os diferentes contextos históricos que as moldaram.

Referências

Auroux, S. (2009). Filosofia da linguagem. Parábola.

Barros, F.; Gutierrez, L. (2023). Le lycée et le Collegio de Pedro II: le personnel et les matièrs dènseignement 1802-2838. https://doi.org/10.1590/2236-3459/128389.pt.

BRASIL (1824). Constituição Política do Imperio do Brazil. Outorgada em 25 de março de 1824. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm.

BRASIL (1837). Decreto de 2 de dezembro de 1837. Convertendo o Seminario de S. Joaquim em collegio de instrucção secundaria, com a denominação de Collegio de Pedro II, e outras disposições. 1837. https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret_sn/1824-1899/decreto-36979-2-dezembro-1837-562344-publicacaooriginal-86295-pe.html.

BRASIL (1838). Annaes do Parlamento Brazileiro – Câmara dos Srs. Deputados. Primeiro anno da quarta legislatura, sessão de 1838. Typographia da Viuva Pinto e Filho, 1896. https://bd.camara.leg.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/35079/anais_camara_1838_vol1.pdf?sequence=1&isAllowed=y.

BRASIL (1838). Regulamento n. 8, de 31 de janeiro de 1838. Contém os estatutos para o Collegio de Pedro Segundo. https://www2.camara.leg.br/legin/fed/regula/1824-1899/regulamento-8-31-janeiro-1838-561957-publicacaooriginal-85725-pe.html.

FRANCE (1789) Archives nationales (France), 30 septembre 1789, AE/II/1129, Déclaration des droits de l'homme et du citoyen. https://www.elysee.fr/la-presidence/la-declaration-des-droits-de-l-homme-et-du-citoyen#:~:text=L'histoire-,La%20Déclaration%20des%20droits%20de%20l'homme%20et%20du%20citoyen,d'une%20déclaration%20de%20principes.

FRANCE (1791). Constitution du 3 sptembre 1791. https://www.conseil-constitutionnel.fr/les-constitutions-dans-l-histoire/constitution-de-1791.

FRANCE (1801). Annuaire de l’instrution publique 1801. https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/cb32696219z/date.

FRANCE (1802a) BONAPARTE Napoléon, Maret Hugues-Bernard. 4. 19 frimaire an 11 (10 décembre 1802), Organisation de l’enseignement dans les lycées. In: Les Enseignants du secondaire. XIXe - XXe siècles. Le corps, le métier, les carrières. Textes officiels. T.1 : 1802-1914. Paris: Institut National de Recherche Pédagogique, 2000. pp. 96-99. (Bibliothèque de l’Histoire de l’Education, 23); https://www.persee.fr/doc/inrp_0000-0000_2000_ant_23_1_8825 .

FRANCE (1802c). 19 frimaire na 11 (10 décembre 1802) Organisation de l’enseignement dans les lycées. https://www.persee.fr/doc/inrp_0000-0000_2000_ant_23_1_8825.

FRANCE (1803). 10 juin 1803. Règlement général des lycées. https://www.persee.fr/doc/inrp_0000-0000_2000_ant_23_1_8827. Acesso em 12 jan 2024.

FRANCE (1809). 19 septembre 1809, Règlement sur l’enseignement dans les lycées. In: Les Enseignants du secondaire. XIXe - XXe siècles. Le corps, le métier, les carrières. Textes officiels. T.1 : 1802-1914. https://www.persee.fr/doc/inrp_0000-0000_2000_ant_23_1_8838.

Marcondes, D. (2009). Textos básicos de linguagem: de Platão a Foucault. Jorge Zahar.

Martineau, J. (2014). Quadrivium: as quatro artes liberais clássicas da Aritmética, da Geometria, da Música e da Cosmologia. Tradução de Jussara Trindade de Almeida. É Realizações.

*Roles de autoría

Los autores participaron por igual de la elaboración del trabajo, aprobaron la versión final para publicar y son capaces de responder respecto de todos los aspectos del manuscrito. Manifiestan no tener conflicto de interés alguno.

Obra bajo licencia internacional Creative Commons Atribución-NoComercial-CompartirIgual 4.0.


[1]La loi ne reconnaît plus ni voeux religieux, ni aucun autre engagement qui serait contraire aux droits naturels ou à la Constitution.” (França, 1791)

[2] Il sera créé et organisé une Instruction publique commune à tous les citoyens, gratuite à l'égard des parties d'enseignement indispensables pour tous les hommes et dont les établissements seront distribués graduellement, dans un rapport combiné avec la division du royaume. - Il sera établi des fêtes nationales pour conserver le souvenir de la Révolution française, entretenir la fraternité entre les citoyens, et les attacher à la Constitution, à la Patrie et aux lois.

[3] 1o Dans les Écoles primaires établies par les communes; 2o Dans les Écoles secondaires établies par des communes ou tênues par des mîtres particuliers; 3o Dans les Lycées et des Écoles spéciales entreten uns aux frais du Trésor public.

[4] Art. 9. – Il sera établi des Lycées pour l'enseignement des lettres et des sciences. [...].” (France, 1802a).

[5] Art. 1 – On enseignera essentiellement dans les lycées le latin et les mathématiques.

[6] Essa classe não necessariamente deverá ser feita pelos alunos que estiverem no primeiro ano das classes de matemática.

[7] Le besoin d'étudier les sciences, de cultiver les arts, n'étoit autrefois que le fruit d'un heureux naturel, d'ane vocation particulière, ou d'un goût qui indiquoit à quelques per sonnes ce qui devoit charmer leurs loisirs maintenant ce besoin est devenu, pour ainsi dire, universel. Le progrès rapide des sciences exactes, l'application des découvertes aux usa ges de la vie; le desir de juger les chefs-d'eu vre que nous a conquis la bravoure de nos guerriers, de connoitre nosrelations nouvelles des peuples de maurs différentes; la né cessité d'occuper notre industrie, soit pourré rer quelques revera de fortune, soit pour acquérir une considération publique: que ne peut plus donner la naissance ou la seule ri chesse; tout nous porte à étudier la théotie brillante des sciences, lès procédés utiles des arts, et à cultiver les lettres, sources inépui sables de consolations et de plaisirs.